ISS – Impossibilidade de Instituição e Cobrança na Importação de Serviços do Exterior
Artigo do Dr. Paulo Attie publicado na revista eletrônica “Tributário.net” no dia 12/08/2004 e na revista eletrônica “Fiscosoft” no dia 20/12/2004
Com o advento da Lei Complementar nº 116/03, foi introduzida em nosso ordenamento jurídico norma geral de direito tributário, que autoriza os Municípios a instituírem ISS sobre a importação de serviços do exterior, nos seguintes termos:
“Artigo 1º – O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal, tem como fato gerador a prestação de serviços constantes da lista anexa, ainda que esses não se constituam como atividade preponderante do prestador.
§ 1º O imposto incide também sobre o serviço proveniente do exterior do País ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior do País.”
Nesta linha, a Lei Complementar nº 116 também atribuiu a responsabilidade de recolhimento do ISS sobre os serviços prestados por estabelecimentos situados no exterior ao terceiro tomador do serviço, estabelecido no país. Assim dispõe o artigo 6º, in verbis:
“Artigo 6º – Os Municípios e o Distrito Federal, mediante lei, poderão atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação, inclusive no que se refere à multa e aos acréscimos legais. (…)
Parágrafo 2º – Sem prejuízo do disposto no caput e no § 1º deste artigo, são responsáveis:
I – o tomador ou intermediário de serviço proveniente do exterior do País ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior do País; (…)”
Deste diploma legal, abstrai-se que os Municípios poderão exigir do tomador ou intermediário de serviço proveniente do exterior o recolhimento do ISS.
O Município de São Paulo, a fim de adaptar sua legislação às disposições da Lei Complementar nº 116/03, editou a Lei nº 13.701/03, a qual, em seu artigo 3º, inciso I, e artigo 9º, inciso I, estabelece que na prestação de serviços por empresa estrangeira o ISS deverá ser recolhido no local em que se situarem os tomadores ou intermediários destes serviços.
Entretanto, a cobrança do ISS na importação de serviços poderá ser questionada judicialmente pelos tomadores destes serviços, situados em quaisquer dos Municípios Brasileiros que a tenha instituído.
Para demonstrar os fundamentos da ilegitimidade da instituição do ISS na importação de serviços, basta analisarmos três dos critérios da sua regra matriz de incidência constitucional.
Critério Material. Como se sabe, critério material, ou seja, o núcleo do fato gerador do Imposto sobre Serviços é a atividade de prestar serviços. Sobre o tema, assevera José Eduardo Soares de Mello: “O cerne da materialidade da hipótese de incidência do imposto em comento não se circunscreve a “serviço”, mas a uma “prestação de serviço”, compreendendo um negócio (jurídico) pertinente a uma obrigação de fazer, de conformidade com os postulados e diretrizes do direito privado.” (1) (Lei Complementar nº 116/03, artigo 1º, caput).
Sujeito passivo. A seu turno, o sujeito passivo do imposto é o prestador de Serviços. (artigo 5º, da Lei Complementar nº 116/03 e da Lei nº 13.701/03 do Município de São Paulo)
Critério espacial. O critério espacial deste imposto, como é sabido, é o local (Município) onde se situa o estabelecimento prestador de serviços (Lei Complementar nº 116/03, artigo 3º).
Como se vê, não há possibilidade jurídica da Lei, mesmo que Complementar, alterar a regra matriz constitucional do ISS, a fim de abranger a atividade de importar serviços prestados por estabelecimentos situados no exterior.
Desta forma, não há possibilidade jurídica de a Lei Complementar nº 116/03 eleger como critério material qualquer outra atividade que não “prestar serviços”, como pretendeu fazer, elegendo “importar serviços”.
Igualmente, não procede a pretensão legislativa de eleger como sujeito passivo, ainda que qualificado como responsável tributário, o tomador de serviço prestado em estabelecimento situado fora do território do município tributante.
O prestador de serviço cujo estabelecimento esteja situado no exterior não é contribuinte do Imposto sobre Serviços. Desta forma, não há como invocar eventual responsabilidade tributária do tomador. Tal pretensão legislativa traduz-se em qualificar o tomador do serviço como sendo o próprio contribuinte, o que esbarra no critério pessoal do imposto, expressado, inclusive pelo próprio artigo 5º, da referida Lei Complementar nº 116/03, segundo o qual, “Contribuinte é o prestador do serviço.”
Também quanto ao critério espacial não deve merecer respaldo a eleição de outro espaço físico que não o local (leia-se Município) no qual se situa o estabelecimento prestador. Desta forma, deve ser rechaçada a eleição do critério espacial como sendo o local onde se situa o estabelecimento do tomador do serviço, sabendo-se que o tomar serviço não é o critério material e nem tampouco, tomador de serviço o sujeito passivo do imposto.
Como se sabe, o ISS é um dos tributos em que o aspecto espacial coincide com o campo de eficácia da Lei Tributária. Ambos se consubstanciam no território do Município tributante.
Impera no regramento constitucional do ISS o princípio da territorialidade, e por consectário a vedação à extraterritorialidade da lei municipal. Isto significa que a Lei do Município “A” só pode disciplinar fatos jurídicos (prestação de serviços) ocorridos nos estabelecimentos situados no território deste Município(2), e não do município “B”, quanto mais se “B” estiver localizado fora do país.
Tal assertiva encontra-se explicitamente reconhecida pelo STJ, em inúmeras decisões, tal como ilustra a abaixo transcrita:
“TRIBUTÁRIO. ISS. SUA EXIGÊNCIA PELO MUNICÍPIO EM CUJO TERRITÓRIO SE VERIFICOU O FATO GERADOR. INTERPRETAÇÃO DO ART. 12 DO DECRETO-LEI N 406/68.
A lei municipal não pode ser dotada de extraterritorialidade, de modo a irradiar efeitos sobre um fato ocorrido no território de município onde não se pode ter voga.”(3)
A exação em tela só poderia ser possível, se o constituinte a tivesse previsto, de forma expressa, na Constituição Federal de 1988, tal como o fez para o ICMS, no artigo 155, § 2º, IX. Em relação a esse tributo, caso não houvesse a previsão constitucional acima, a nosso ver, também seria impossível a tributação dos serviços prestados no exterior. E esse entendimento já fora respaldado pelo E. STF:
“Se o contribuinte é o vendedor, numa importação não haveria pagamento de ICMS, pelo simples motivo de o exportador estar no exterior. Foi preciso, portanto, que a Constituição estabelecesse, expressamente, a incidência desse tributo, na importação, e expressamente explicitou que o seu pagamento seria feito pelo comprador, ou seja, pelo importador…”(4)
Diante dos argumentos sucintamente expostos acima, vislumbramos a possibilidade dos tomadores de serviços prestados no exterior, ou que lá forem iniciados, questionarem judicialmente a tributação da importação de serviços pelo ISS.
Notas
(1) (In, ISS, Aspectos Teóricos e Práticos, 3ª edição, Ed Dialética, p.33.)
(2) Afora as exceções legais, expressamente previstas no artigo 3º da Lei Complementar nº 116/03.
(3) STJ, RESP nº 54002/PE, 1ª Turma, Rel. Min. Demócrito Reinaldo, DJ de 08/05/95.
(4) STF, RE nº 203.075, Rel. Min. Carlos Velloso.