Considerações acerca do Crédito-Prêmio de Exportação: Vigência e Fruição do Benefício
Artigo do Dr. Paulo Attie publicado na revista eletrônica “Tributário.net” no dia 26/08/2004 e na revista eletrônica “Fiscosoft” no dia 23/09/2004
Consoante noticiado na mídia(1), no próximo dia 08 de setembro de 2004, a Primeira Seção do STJ irá analisar se o benefício Crédito- Prêmio de IPI está vigente ou não em nosso ordenamento jurídico.
Segundo consta da matéria jornalística, “no início deste ano, uma nova tese a respeito do tema foi apresentada pela Fazenda ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e aceita pela Primeira Turma do tribunal que, no julgamento do recurso de uma empresa do Rio Grande do Sul, entendeu que o benefício (criado em 1969) foi extinto em 1983.”
Como se sabe, a tese da Fazenda Nacional, acolhida neste único precedente de que se tem notícia naquele tribunal fundamenta-se no fato de que o Decreto-lei nº 1.658/79 teria extinto o benefício e, quando não, o artigo 41, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT, da Constituição Federal de 1988 teria impedido a sua recepção.
O presente estudo tem a finalidade de demonstrar que o crédito-prêmio de Exportação continua vigente, não tendo sido revogado pelo Decreto-Lei nº 1.658/79 nem tampouco pelo artigo 41, do ADCT, devendo portanto, ser mantido pela Primeira Seção do STJ, no próximo dia 08 de setembro.
I – Introdução
O crédito prêmio de IPI, instituído pelo Decreto-Lei nº 491, de 05 de setembro de 1969, é um estímulo financeiro que, com o escopo de fomentar as exportações, garante às empresas fabricantes e exportadoras de produtos manufaturados, créditos calculados sobre as vendas para o exterior, como forma de ressarcimento dos impostos já pagos nas operações anteriores, neutralizando a carga tributária das exportações.
Determina o artigo 1º, do DL nº 491/69:
“Artigo 1º – As empresas fabricantes e exportadoras de produtos manufaturados gozarão a título de estímulo fiscal, créditos tributários sobre suas vendas para o exterior, como ressarcimento de tributos pagos internamente.
§ 1º – Os créditos tributários acima mencionados serão deduzidos do valor do Imposto sobre Produtos Industrializados incidente sobre as operações no mercado interno.
§ 2º – Feita a dedução, e havendo excedente de crédito, poderá o mesmo ser compensado no pagamento de outros impostos federais, ou aproveitado nas formas indicadas por regulamento.”
Como se verifica, nos termos do § 1º, do artigo 1º, do citado Decreto Lei, os valores obtidos mediante a aplicação de determinada alíquota sobre o montante total das exportações serão deduzidos do IPI incidente sobre operações no mercado interno.
Posteriormente, o Poder Executivo tentou diversas vezes extinguir o crédito em tela. Vejamos.
Em 24/01/79, foi editado o DL no 1.658/79, estabelecendo uma redução gradativa do crédito prêmio, até que o mesmo chegasse a zero, isto é, que fosse extinto, em 30/06/83.
Posteriormente, com a edição do DL no 1.722/79, foi revogada a possibilidade de utilização dos créditos-prêmio excedentes para pagamento de outros tributos. Nesta oportunidade o legislador aproveitou para alterar o parágrafo 2o, do artigo 1o, do DL no 1.658/79, determinando que a redução gradativa do crédito até 30/06/83, estaria vinculada a um ato do Ministro da Fazenda.
Logo em seguida, foi editado o DL no 1.724/79, cujo artigo 1o delegou competência para o Ministro da Fazenda revogar, suspender, reduzir ou aumentar o benefício do crédito prêmio, e o artigo 2o revogou todas as disposições em contrário, ou seja, revogou todo o disposto nos citados DL’s nos 1.658/79 e 1.722/79.
Por conseguinte, foi editada a Portaria MF nº 960/79, através da qual, o Ministro da Fazenda estabeleceu a suspensão do crédito-prêmio por tempo indeterminado. Em outras palavras, tal suspensão teve como propósito a extinção do crédito.
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF), em sessão plenária (RE nº 186.623-3/RS), declarou inconstitucional a expressão “ou extinguir” constante tanto do artigo 1º, do DL nº 1.724/79, quanto do inciso I, do artigo 3º, do DL nº 1.894/81, consoante demonstra a ementa abaixo:
“CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. INCENTIVOS FISCAIS: CRÉDITO-PRÊMIO: SUSPENSÃO MEDIANTE PORTARIA. DELEGAÇÃO INCONSTITUCIONAL. D.L. 491, de 1969, arts. 1º e 5º; D.L. 1.724, de 1979, art. 1º; D.L. 1894, de 1981, art. 3º, inc. I, C.F/1967.
I – É inconstitucional o artigo 1º do D.L. 1.724, de 7.12.79, bem assim o inc. I do art. 3º do D.L. 1.894, de 16.12.81, que autorizaram o Ministro de estado da fazenda a aumentar ou reduzir, temporária ou definitivamente, ou restringir os estímulos fiscais concedidos pelos artigos 1º e 5º do D.L. nº 491, de 05.3.69. Caso em que tem-se delegação proibida: CF/67, art. 6º. Ademais, matérias reservadas à lei não podem ser revogadas por ato normativo secundário.II – R.E. conhecido, porém não provido.”
O STF, portanto, entendeu que a delegação de competência ao Ministro da Fazenda, para que ele pudesse extinguir o incentivo fiscal do Crédito Prêmio de IPI é inconstitucional.
Como constou da ementa do Recurso Extraordinário, matérias reservadas à lei não podem ser revogadas por ato normativo secundário, tal como a Portaria interministerial.
Assim, o crédito-prêmio concedido pelo Decreto-Lei n.º 491/69 jamais poderia ser extinto através de Portaria do Ministro da Fazenda, uma vez que este não possui poderes para tanto, razão pela qual tanto o Decreto-Lei n.º 1.724/79, quanto a própria Portaria MF n.º 960/79 foram julgados manifestamente inconstitucionais.
Cumpre destacar, a título ilustrativo que, muito antes do julgamento final acerca da matéria pelo Pleno do E. STF, o extinto E. TFR já havia se manifestado nesse sentido, quando do julgamento da Arguição de Inconstitucionalidade na AC nº 109.896-DF, conforme se depreende do trecho do voto do atual Ministro Carlos Velloso, in verbis:
“(…) A questão agora, a saber, é a seguinte: poderia um decreto-lei, que integra o processo legislativo, autorizar o Ministro de Estado a extinguir um incentivo fiscal concedido por um outro decreto-lei, assim ato normativo primário? Esta é a questão. Responderia eu, com a devida vênia, pela negativa. E o faço, Sr. Presidente, baseado, em primeiro lugar, no parágrafo único do artigo 6º, da Constituição, que estabelece: (…)
No caso há autêntica delegação, por ato normativo primário, ao Ministro de Estado, para, em última análise, revogar ato normativo primário, vale dizer, revogar incentivo fiscal concedido por decreto-lei. Isto a Constituição não permite, isto a Constituição não admite.’ (…)
Senhor Presidente, continuo entendendo que não poderia uma Portaria Ministerial revogar incentivos fiscais concedidos por um decreto-lei, assim por ato normativo primário, ao argumento de que recebera o Ministro de Estado delegação, mediante outro decreto-lei, para assim proceder. É que não poderia a lei, já que o decreto lei tinha força de lei, delegar ao Ministro de Estado poderes para extinguir um incentivo fiscal concedido por um decreto-lei, assim pela lei. A Constituição pretérita expressamente proibia a qualquer dos poderes delegar atribuições (CF/67, art. 6º).” (g.n)
Sendo assim, dúvidas não restam quanto à inconstitucionalidade do Decreto-Lei n.º 1.724/79 que delegou competência, contrariando o artigo 6º, da CF/67, ao Ministro da Fazenda para suspender ou até mesmo extinguir os benefícios do Decreto-Lei n.º 1.724/79.
Em consequência, a Portaria Ministerial n.º 960/79 editada com fundamento no Decreto-Lei n.º 1.724/79 perdeu seu objeto, voltando a vigorar as disposições contidas no Decreto-Lei n.º 491/69, possibilitando, assim, o aproveitamento do crédito-prêmio de IPI, nas exportações de produtos manufaturados, conforme restará demonstrado a seguir, uma vez que as normas que o extinguiram foram julgadas inconstitucionais.
II – Da não Repristinação do Decreto-Lei nº º 1.658/79 – Revogação antes mesmo do exaurimento dos seus efeitos
Como mencionado no intróito, pretende a Fazenda Nacional fazer crer que o crédito-prêmio de IPI teria sido extinto em 30/06/83 em razão do que dispunha o Decreto-lei nº 1.658/79.
Ocorre que o Decreto Lei 1.658/79 foi revogado pelo Decreto Lei 1.722/79, o qual, em seu art. 3º, deu nova redação ao art. 1º, § 2º, do Decreto-lei nº 1.658/79, estabelecendo novos percentuais para o aproveitamento do crédito-prêmio de IPI e suprimindo a expressão “até a sua total extinção em 30 de junho de 1983”, ou seja, revogando-o, de forma expressa, nesta matéria.
Dessa forma, o crédito-prêmio de IPI passou a ser conferido nos termos do Decreto-Lei n.º 1.722/79.
Posteriormente, o Decreto-Lei n.º 1.724/79, após conferir ao Ministro da Fazenda poderes para aumentar ou reduzir, temporária ou definitivamente, o benefício concedido pelo Decreto-Lei n.º 491/69, foi expresso em revogar as disposições em contrário, in verbis:
“Art. 2º – Este Decreto-Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário”.
Assim, a extinção do benefício ao Crédito Prêmio que deveria ser operada em 1983, conforme previa o DL nº 1.658/79 sequer ocorreu, uma vez que muito antes do referido prazo, este Decreto-lei foi revogado pelo Decreto Lei nº 1.722/79, o qual foi revogado pelo Decreto-Lei nº 1.724/79.
Frise-se, no ordenamento jurídico brasileiro a lei revogada não readquire sua vigência com a revogação da norma que a revogou, a menos que esta última, expressamente, assim determine, o que não ocorreu no presente caso. Em outras palavras, o instituto da repristinação, no direito brasileiro, só ocorre se houver disposição expressa o prevendo, o que não há em relação ao Decreto-Lei nº 1.658/79.
Tal regra encontra-se insculpida em nosso direito positivo, no art. 2º, § 3º da L.I.C.C, in verbis:
“Art. 2º. Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.
(…)
§ 3º Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência.”
De qualquer modo, este argumento não é novo como quer fazer crer a Fazenda Nacional na matéria jornalística, já tendo sido objeto de inúmeras apreciações por parte do E. STJ, o qual, atualmente, possui entendimento consolidado sobre a matéria, conforme esclarecem as ementas a seguir transcritas:
“AGRAVO REGIMENTAL. CRÉDITO-PRÊMIO DO IPI. VIGÊNCIA DO DECRETO-LEI Nº 1.658/79. PRECEDENTES.
Esta Corte já pacificou o entendimento de que, com a declaração de inconstitucionalidade do Decreto-lei nº 1.724/79, restaram inaplicáveis os Decretos-lei n.º 1.722 e 1.658/79, pois a eles se reportava.
Os julgados citados pela recorrente fazem menção ao Decreto-lei nº 491/69 pois justamente é ele que deve ser aplicado em lugar do Decreto-lei nº 1.658/79, que não mais vigora.
A decisão recorrida está em consonância com a jurisprudência dominante deste Superior Tribunal de Justiça.
Agravo regimental não provido. Decisão unânime.”(2)
“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CRÉDITO-PRÊMIO. IPI. MOMENTO. EXTINÇÃO. MATÉRIA PACÍFICA.
Inviável o recurso especial que visa discutir matéria já pacificada no âmbito desta Corte, no sentido de que com a declaração de inconstitucionalidade do Decreto-Lei n.º 1.724/79, também restaram inaplicáveis os Decretos n.º 1.722/79 e 1.658/79, os quais eram referidos pelo primeiro diploma. Dessa forma, é aplicável o Decreto-lei 491/69, expressamente mencionado no Decreto-lei 1.894/81, que restaurou o benefício do crédito-prêmio do IPI, sem definição de prazo. Precedentes.”(3)
Não tivesse sido revogado o Decreto-Lei nº 1658/79 não haveria razão para o Governo Federal editar, no ano de 1981, o Decreto-Lei n.º 1.894, que estendeu o Crédito-Prêmio de IPI às trading companies, a saber:
“Art. 1º – Às empresas que exportarem, contra pagamento em moeda estrangeira conversível, produtos de fabricação nacional, adquiridos no mercado interno, fica assegurado: (…)
II – o crédito de que trata o artigo 1º do Decreto-Lei n.º 491, de 5 de março de 1969.” (g.n.)
Vale dizer, o Decreto-Lei n.º 1.894/81 ao estender os benefícios do Decreto-Lei n.º 491/69 às trading companies reconheceu a sua validade e vigência. Caso contrário jamais poderia estender os referidos benefícios.
Vale ressaltar que o artigo 3º, do Decreto-Lei n.º 1.894/81, que conferiu poderes ao Ministro da Fazenda para majorar, suspender ou extinguir os incentivos à exportação também foi julgado inconstitucional pelo E. STF, nos autos do RE n.º 186.623-3, cuja ementa foi anteriormente transcrita.
Corroborando o entendimento acima exposto, o 2º Conselho de Contribuintes (Tribunal Administrativo de 2ª Instância) já se posicionou favoravelmente aos interesses dos contribuintes, contrariando, inclusive, a tese defendida pela Fazenda Nacional a saber:
“IPI – CRÉDITO-PRÊMIO – DECRETO-LEI Nº 491/69 – PRESCRIÇÃO – O Decreto-Lei nº 1.894/81 restaurou, pelo seu art. 1º, II, sem definição de prazo, o crédito-prêmio previsto no Decreto-Lei nº 491/69.”(4)
Percebe-se, portanto, que o próprio Tribunal Administrativo vem reconhecendo a vigência do Decreto-Lei n.º 491/69 e o direito do contribuinte ao aproveitamento do crédito-prêmio de IPI.
Rechaçado o argumento da suposta repristinação do Decreto-Lei nº 1.658/79, passemos a análise do disposto no artigo 41, do ADCT e sua relação com o benefício em epígrafe.
III – Da Inaplicabilidade Do Art. 41 Do ADCT ao Crédito Prêmio de IPI
O artigo 41, do ADCT, dispõe que:
“Art. 41 – Os Poderes Executivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios reavaliarão todos os incentivos fiscais de natureza setorial ora em vigor, propondo aos Poderes Legislativos respectivos as medidas cabíveis.
§ 1º – Considerar-se-ão revogados após dois anos, a partir da data da promulgação da Constituição, os incentivos que não forem confirmados por lei.” (g.n.)
Depreende-se da simples leitura do referido artigo 41, do ADCT que ele trata de incentivos fiscais setoriais, os quais deverão ser revogados após dois anos da data da promulgação da CF/88, caso não sejam confirmados por lei.
Três aspectos, no entanto, merecem destaque:
(i) o incentivo criado pelo Decreto-Lei n.º 491/69 não possui natureza tributária, mas financeira;
(ii) a mera exportação de produtos manufaturados não se configura como um setor da economia.
(iii) o artigo 41, do ADCT aplica-se, exclusivamente aos benefícios concedidos por atos infralegais, na ordem constitucional anterior, e o Crédito-Prêmio de IPI fora concedido por ato legal, haja vista que o Decreto-lei, sob a égide da Constituição de 1967 era instrumento primário de introdução de normas jurídicas.
Inicialmente, cumpre esclarecer a diferença entre os incentivos de natureza tributária e os financeiros.
Basicamente, pode-se dizer que a diferença entre incentivos de natureza financeira e tributária cinge-se ao objetivo almejado pelo Governo com a concessão do benefício.
Com efeito, se o benefício visa, apenas e tão somente, o tributo em si, como é o caso das isenções e das reduções, alcançando, portanto, uma relação tributária, configura-se o incentivo como de natureza tributária. No entanto, se o benefício alcança relações jurídicas ocorridas após a extinção da relação tributária, o objetivo almejado é de natureza financeira.
Vale dizer, considerando que o pagamento representa uma das modalidades de extinção do crédito tributário, nos termos do artigo 156, I, do CTN, qualquer incentivo ou benefício que lhe é posterior, obviamente, não tem natureza tributária.
Assim, já tendo sido efetuado o recolhimento dos tributos devidos nas operações internas, é concedido ao contribuinte um crédito, como um prêmio pela exportação, de natureza financeira, que pode tanto ser compensado com outros tributos devidos pela empresa, como pode simplesmente ser restituído.
Nesse aspecto, convém transcrever o exemplo utilizado por José Souto Maior Borges para diferenciar o incentivo fiscal do financeiro, a saber:
“4.7 – Mesmo quando o contribuinte, no exercício de permissão legal, ao invés de receber em pecúnia o valor das parcelas de financiamento, possa deduzi-lo do ICMS que deva recolher ao Estado, não será descaracterizada a natureza financeira, e não-tributária portanto, do incentivo.
Deveras, uma coisa é a dedução, numa determinada operação de circulação, do valor do ICMS incidente na operação antecedente, ex vi da incumulatividade desse tributo e outra – inteiramente diversa – será a dedução, em decorrência e execução do contrato de financiamento, do valor do incentivo. (…)
4.8 – A dedução assim procedida será uma forma expedita de transferência dois valores do incentivo para as empresas industriais incentivadas, porque beneficiárias do estímulo financeiro estatal. (…)” (in Revista Dialética de Direito Tributário n.º 63/00, “A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e sua Inaplicabilidade a Incentivos Financeiros Estaduais”, pág. 81/99) (g.n.)
Conforme exaustivamente demonstrado, o incentivo estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 491/69 visa, primordialmente, incentivar as exportações de produtos manufaturados de origem nacional.
Assim, o Governo Federal, da mesma forma como no exemplo utilizado por José Souto Maior Borges, ao invés de promover financiamentos diretamente aos produtores-exportadores, utilizou-se da sistemática de crédito-prêmio como forma de incentivar as exportações.
Tanto é assim, que o cálculo do crédito-prêmio é realizado independentemente de relação jurídica tributária, conforme se depreende da sua sistemática: (i) sobre os valores correspondentes às vendas destinadas ao mercado externo aplicam-se as alíquotas previstas na TIPI; (ii) após, tais créditos são lançados na escrita fiscal da empresa e deduzidos do valor do IPI devido nas operações do mercado interno.
A evidência de que se trata de incentivo financeiro advém do fato de que o IPI não é devido nas saídas destinadas à exportação, pois os países não exportam tributos.
Além da não incidência de IPI nas exportações (na verdade é uma imunidade, pois está prevista no art. 153, par. 3.o, III, da CF/88), quis o legislador oferecer um incentivo financeiro (dinheiro), que por razões de praticidade é calculado com base no IPI como se devido fosse.
Nessa esteira, importante destacar o entendimento do Ilmo. Ministro Ilmar Galvão exarado em seu voto, quando do julgamento do RE 186.623-3/RS, acima citado, in verbis:
“(…) O mencionado diploma legal foi regulamentado pelo Decreto n.º 64.833, de 17 de julho de 1969, em cujo artigo 1º se explicita que os créditos em questão correspondem ao valor do Imposto sobre Produtos que incidiria, se fosse devido, sobre os produtos exportados, até o limite máximo de 15%.
Trata-se, portanto, não propriamente de um incentivo fiscal, mas de um crédito-prêmio, de natureza financeira, conquanto destinado à compensação de IPI recolhido sobre vendas internas ou de outros impostos federais, podendo, ainda, ser residualmente pago ao contribuinte, em espécie, conforme previsto no art. 3º, § 2º, II, lera “b”, do mencionado regulamento.
Assim, não se identifica ele, na verdade, com conteúdo jurídico determinado de nenhum instituto específico, definido pelo direito tributário. Consequentemente, sua disciplina jurídica não há de ser buscada nas regras e princípios próprios desse campo do direito – como seria o caso de incentivos eminentemente fiscais, como a isenção tributária, a redução de alíquotas, etc. – mas no âmbito mais espaçoso da ciência das finanças, já que não passa de medida de natureza financeira, conquanto também orientada no sentido de influir sobre a conjuntura econômica, por meio do desenvolvimento do comércio exportador”. (g.n)
Destaque-se também que este é o entendimento da Procuradoria da Fazenda Nacional, conforme Parecer do seu Procurador-Geral, em resposta à consulta feita pelo Ministro da Fazenda:
“III – A natureza do denominado crédito-prêmio
11. Quanto à natureza, o estímulo em causa é do gênero fiscal, por se relacionar com o Fisco, e da espécie mais propriamente financeira do que tributária, como se verá adiante. (…)
18. O escopo da lei, partindo de tais premissas, foi o de instituir, “à título de estímulo fiscal” é a própria expressão da lei – um incentivo consubstanciado num crédito para, genericamente, ressarcir tributos não só federais, como estaduais e municipais, embutidos no custo e no preço de venda, para o exterior, de produtos manufaturados.
19. No entanto, no momento mesmo em que é gerado, o crédito não se relaciona com determinado tributo, federal, estadual ou municipal, devido na operação de exportação ou em relação aos produtos exportados.
20. Nem se estabelece qualquer relação – que, de resto, não seria factível – entre o valor do estímulo e o valor dos tributos acaso embutidos no preço de venda para o exterior. (…)
27. Portanto, os incentivos gerados à luz do Decreto-Lei 491, de 05.03.69, são de natureza financeira. E, consequentemente, são inaplicáveis à espécie as disposições contidas no Código Tributário Nacional (Lei 5.172, de 25.10.66)”(5)
Neste mesmo sentido também se manifestou a Advocacia Geral da União, mediante o Parecer nº AGU-172/98. Vejamos:
” 17. Propedeudicamente, cabe comentar que o art. 1º do Decreto-lei nº 491 institui estímulos de natureza financeira (não tributária) à exportação sob a modalidade de subvenção, ao autorizar ao exportador de manufaturados compensar o valor deste subsídio, como prêmio pela exportação, sob a forma de dedução do IPI incidente sobre operações no mercado interno, ou mesmo, havendo excedente de crédito, permitiu que o denominado crédito prêmio de IPI fosse compensado no pagamento de outros impostos federais, tendo o Decreto nº 64.833, de 17.07.1969, permitido o recebimento, por parte do beneficiário, do valor do sobejo crédito em espécie.” (in Revista Dialética de Direito Tributário nº 39, de Dezembro de 1998, pág. 105) (g.n)
Resta claro, portanto, que não se trata de incentivo de natureza tributária, mas financeira, razão pela qual inaplicável o disposto no artigo 41, do ADCT.
Mas não é só, resta demonstrar, ainda que o benefício em questão não é setorial. Entende-se por incentivo setorial aquele que concedido somente a determinados setores da atividade econômica, pelo especial valor que possuem para o interesse público e desenvolvimento da economia.
São benefícios setoriais, por exemplo, os concedidos às empresas ligadas ao turismo, à agricultura, à indústria metalúrgica, etc. Com efeito, nada melhor do que transcrever, exemplificativamente, decreto expedido pelo Governo Federal concedendo incentivos setoriais. Confira-se:
“DECRETO Nº 4.213, de 26-04-02 – Define os setores da economia prioritários para o desenvolvimento regional, nas áreas de atuação da extinta SUDENE, e dá outras providências.(…)
Art. 2º – São considerados prioritários para fins dos benefícios de que trata o art.1o, os empreendimentos nos seguintes setores:
I – de infra-estrutura, representados pelos projetos de energia, telecomunicações, transportes, instalação de gasodutos, produção de gás, abastecimento de água e esgotamento sanitário;
II – de turismo, considerando os empreendimentos hoteleiros, centros de convenções e outros projetos, integrados ou não a complexos turísticos, localizados em áreas prioritárias para o desenvolvimento regional;
III – da agroindústria vinculados à agricultura irrigada, piscicultura e aqüicultura;
IV – da agricultura irrigada, da fruticultura, em projetos localizados em pólos agrícolas e agroindustriais objetivando a produção de alimentos e matérias primas agroindustriais, voltados para os mercados internos e externos;
V – da indústria extrativa de minerais metálicos, representados por complexos produtivos para o aproveitamento de recursos minerais da região; (…)”
Percebe-se, portanto, que o crédito-prêmio, instituído pelo Decreto-Lei n.º 491/69 não é um incentivo de natureza setorial, pois concedeu o incentivo indiscriminadamente a todo e qualquer produto industrializado, independentemente de qual setor da economia ele é proveniente.
O Decreto-lei nº 491/69 concedeu o benefício ao crédito-prêmio para o exportador, pura e simplesmente. A exportação, é bom lembrar, não é um setor da economia, mas apenas uma modalidade de venda, acessível a todos os segmentos econômicos, e não só a alguns setores determinados.
Como esclarece Ricardo Fiuza, em trabalho publicado na Internet, “…não é o crédito-prêmio atribuído a este ou aquele setor da economia. Todos os setores fazem jus a esse estímulo, se venderem para o exterior produtos manufaturados, sejam alfinetes, facas, automóveis ou tanques de guerra os produtos exportados.”
Por fim, urge ressaltar que o § 1º do artigo 41 do ADCT dispõe que “Considerar-se-ão revogados após dois anos, a partir da data da promulgação da Constituição, os incentivos que não forem confirmados por lei.”
Ou seja, pretendeu a Constituição de 1988 não recepcionar todos aqueles incentivos concedidos por atos secundários, tais como Decretos, Instruções Normativas, Portarias etc, de modo que, se no prazo de 02 anos não fossem dispostos em Lei, perderiam sua vigência.
Nada mais natural, em face da primazia do princípio da legalidade também para a outorga de benefícios.
Ocorre que, in casu, o Crédito-Prêmio de IPI foi instituído por Decreto-Lei, instrumento jurídico que, à época de sua instituição, 1969, tinha força de lei, não havendo, portanto, razão para aplicar-lhe o disposto no artigo 41, do ADCT, uma vez que este benefício em específico foi concedido por instrumento equivalente à lei.
Neste sentido, vale transcrever o voto do ilustre Min. Carlos Velloso no julgamento do já citado RE nº 186.623-3, referindo-se à Constituição de 1969:
“O decreto-lei tem força de lei nas matérias explicitadas nos itens I, II e III do art. 55 da Constituição Federal. Quer dizer, o decreto-lei integra o processo legislativo e é assim que está no art. 46 da Constituição Federal.
Destarte, quando o Presidente edita decreto-lei o faz inovando na ordem jurídica, o faz editando ato normativo primário, em caráter excepcional. Tem-se aí um caso de técnica de delegação legislativa adotada pela Constituição.”
Por todas estas razões, conclui-se também que a norma constante do artigo 41, do ADCT, da CF/88 não se aplica ao benefício concedido pelo Decreto-Lei n.º 491/69.
Assim, com a exposição destes argumentos, esperamos ter contribuído para a elucidação acerca da vigência do Crédito-Prêmio de IPI, instituído pelo Decreto-Lei nº 491/69.
Notas
(1) “STJ avalia polêmica do crédito-prêmio de IPI em setembro” – Jornal Valor Econômico, de 24/08/2004.
(2) Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 292.647/DF – Relator: Min. Franciulli Netto – DJU de 02/10/00.
(3) AGA 398267/DF – Agravo Regimental no Agravo de Instrumento 2001/0094235-0 – DJ de 21/10/2002, pg. 00283 – Relator Min. FRANCISCO FALCÃO
(4) Ac. n.º 116.717, Cons. Relator Dalton Cesar Cordeiro de Miranda, j. 23/01/02
(5) in Revista de Direito Tributário nº 33, Julho/Setembro de 1985, pág. 92/93.