Sociedades em Conta de Participação – Aspectos Societários e Fiscais
Artigo do Dr. Paulo Attie publicado nas revistas eletrônicas “Netlegis” e “APET” no dia 20/03/08, “Tributario Net” no dia 21/03/08, “Notícias Fiscais” no dia 24/03/08, “Migalhas” no dia 27/03/08 e “Fiscosoft” no dia 08/09/08.
Não tão rara quanto se pensa, a Sociedade em Conta de Participação, está prevista em nosso ordenamento jurídico desde o antigo Código Comercial de 1850, que a tratava em seus artigos 325 a 328, nos seguintes termos: “Art. 325. Quando duas ou mais pessoas, sendo ao menos uma comerciante, se reúnem, sem firma social, para lucro comum, em uma ou mais operações de comércio determinadas, trabalhando um, alguns ou todos, em seu nome individual para o fim social, a associação toma o nome de sociedade em conta de participação…”
Pode-se dizer que sua origem remonta ao contrato de comenda, que também gerou a sociedade em comandita. Atualmente o instituto é disciplinado pelo Código Civil (Lei 10.406/02), mais especificamente no Livro II (Do Direito de Empresa), Título II (Da Sociedade), ainda que tratando-o como uma Sociedade não Personificada, nos artigos 991 a 996.
A doutrina titubeia acerca da natureza jurídica das “Sociedades em Conta de Participação” como efetivas sociedades, sendo que alguns autores a admitem como tal, enquanto outros negam-lhe esta qualidade, como por exemplo, Eunápio Borges, Rubens Requião, Tavares Borba, Amador Paes de Almeida e Fábio Ulhoa Coelho. Para este último, “Definidas as sociedades empresárias como pessoas jurídicas, seria incorreto considerar a conta de participação uma espécie destas. Embora a maioria da doutrina conclua em sentido oposto (…), a conta de participação, a rigor, não passa de um contrato de investimento comum, que o legislador, impropriamente, denominou sociedade. Suas marcas características, que a afastam da sociedade empresária típica, são a despersonalização (ela não é pessoa jurídica) e a natureza secreta (seu ato constitutivo não precisa ser levado a registro na Junta Comercial).”[i]
De fato a Sociedade em Conta de Participação, doravante SCP, não é uma verdadeira sociedade, no sentido mais técnico da expressão, na medida em que não possui personalidade jurídica e portanto não contrai obrigações e direitos em nome próprio, mas apenas o faz seu sócio ostensivo, a quem incumbe gerir o negócio como se a conta de participação não existisse aos olhos dos terceiros com quem contrata.
Todavia, o Novo Código Civil adotou a corrente doutrinária que considera o instituto como sendo uma sociedade, regulamentando-a nos mesmos moldes do que já estabelecia o Código Comercial, com algumas particularidades que a modernizaram, como veremos a seguir.
A sua “marca registrada”, se é que assim se pode dizer, reside no fato de que apenas o sócio ostensivo pratica as operações comerciais, e ainda, em seu nome individual e sob sua exclusiva responsabilidade, consoante dispõe o artigo 991 do Código Civil[ii]. A jurisprudência, quando chamada a enfrentar a questão reafirma esta assertiva, vide Resp nº 168028/SP:
“COMERCIAL. SOCIEDADE EM CONTA DE PARTICIPAÇÃO. RESPONSABILIDADE PARA COM TERCEIROS. SÓCIO OSTENSIVO. Na sociedade em conta de participação o sócio ostensivo é quem se obriga para com terceiros pelos resultados das transações e das obrigações sociais, realizadas ou empreendidas em decorrência da sociedade, nunca o sócio participante ou oculto que nem é conhecido dos terceiros nem com estes nada trata.(…)” (g.n) [iii]
Em suma, o objeto social da SCP é exercido única e exclusivamente pelo sócio ostensivo, em seu nome e sob sua responsabilidade, reservando-se ao sócio participante os bônus ou ônus decorrentes da boa ou má gestão dos negócios pelo sócio ostensivo. Em contrapartida, o sócio participante obriga-se exclusivamente perante o sócio ostensivo, nos termos do parágrafo único do artigo 991 do Código Civil [iv].
Consoante o art. 993, parágrafo único [v], o sócio participante tem o direito de fiscalizar a gestão dos negócios sociais praticados pelo sócio ostensivo mas não pode tomar parte nas relações daquele com terceiros, sob pena de responder solidariamente com ele pelas obrigações em que intervir, mas apenas nestas.
Nos termos do artigo 992 [vi], a constituição da SCP independe de qualquer formalidade e pode provar-se por todos os meios de direito.
Pela ausência de personalidade jurídica, aliada ao fato de não exigir registro de seus atos constitutivos, alguns autores a qualificam como uma sociedade secreta. Vale dizer, terceiros particulares não terão conhecimento da sociedade, a menos que seus sócios a divulguem, o que, a depender da situação em específico e da qualidade do sócio participante, pode ser benéfico ao negócio, sendo que, de qualquer modo, eventual conhecimento do público em geral quanto à sua existência não a desnaturará enquanto SCP.
Vale ressaltar que mesmo havendo o registro dos seus atos constitutivos em cartório, isto não a dotará de personalidade jurídica. Sobre a ausência de personalidade jurídica das SCP’s, vide Resp nº 474.704/PR:
“Sociedade em conta de participação. Embargos de declaração. Dissolução. Nomeação de liquidante. Citação da sociedade constituída. Indenização. (…) 2. Não há falar em citação da sociedade em conta de participação, que não tem personalidade jurídica, nem existência perante terceiros. (…).” [vii]
Questão de ordem prática surge quanto à necessidade de se comprovar as cláusulas e condições em que a SCP fora entabulada, razão pela qual se aconselha, sempre, que se faça um contrato a disciplinar pormenorizadamente as condições do negócio.
A par de não poder ser levado a registro enquanto ato constitutivo de uma sociedade empresária na Junta Comercial, para confortar as partes quanto à existência da SCP e suas cláusulas e condições, o seu contrato pode ser registrado sob quaisquer das seguintes alternativas:
a) se a contribuição do sócio oculto se der por meio de escritura pública, para a conferência de um bem ou direito ao patrimônio social, a própria escritura poderá conter as cláusulas contratuais pactuadas, e sendo o caso, a averbação no Ofício de Registro de Imóveis (Lei nº 6.015/73, art. 167) irá assentar esse efeito.;
b) se o sócio ostensivo ou o oculto ostentar a qualidade de sociedade simples poderá requerer o a juntada do contrato da SCP em seu prontuário perante o Registro Civil das Pessoas Jurídicas em que estiver inscrito (Lei nº 6.015/73, art. 114, II);
c) se um dos sócios, quer ostensivo, quer oculto, for empresário ou sociedade empresária, poderá requerer ao Registro Público de Empresas Mercantis de sua sede o arquivamento do contrato da SCP em seus atos constitutivos por seu manifesto interesse (Lei nº 8.934, art. 32, II, e); e,
d) por fim, o contrato da SCP poderá ser levado ao Registro Público de Títulos e Documentos (Lei nº 6.015/73, art. 127), sem prejuízo de qualquer um dos registros anteriores.
Obviamente, mediante quaisquer dos registros acima a sociedade deixará de ser sigilosa entre seus sócios passando a ser de potencial conhecimento público.
Sob outro aspecto, mister destacar que o sócio ostensivo não pode admitir novo sócio (seja mais um ostensivo ou outro participante), sem o consentimento expresso do(s) demais sócio(s) participante(s), tal como estatui o artigo 995 do Código Civil. [viii]
Havendo mais de um sócio ostensivo, deve ser disciplinado pelas partes a quem cabe e, em que medida, o exercício da atividade constitutiva da conta de participação, além das obrigações específicas de cada um deles quanto ao exercício do objeto social e para com os sócios participantes.
Ultrapassadas estas considerações iniciais, é mister destacar que, a teor do artigo 994 [ix], as contribuições dos sócios participantes e ostensivos constituem um patrimônio especial, objeto da conta de participação relativa aos negócios sociais. As contribuições podem se constituir em qualquer espécie de bens ou direitos, desde que sejam úteis aos negócios da SCP, valendo lembrar que este patrimônio especial tem efeitos apenas entre os sócios.
O fato de haver o referido patrimônio especial não implica concluir que a sociedade em conta de participação tenha patrimônio próprio. Ela não o tem, na medida em que não tem sequer personalidade jurídica, razão pela qual não pode ser titular de bens e direitos.
No dizer de Bruno Mattos e Silva, “Como decorrência lógica de todos os contratos serem feitos pelo sócio ostensivo, em seu nome próprio, apenas ele se responsabiliza e não o sócio oculto. O sócio ostensivo responde ilimitadamente, ao passo que os sócios ocultos apenas respondem em face do sócio ostensivo até o limite previsto no contrato. É errado dizer que o “sócio ostensivo assume obrigações em nome da sociedade em conta de participação no limite do capital social”. As obrigações são em nome do próprio sócio ostensivo e são ilimitadas.” [x]
Em nosso entender, todavia, a questão da limitação da responsabilidade ao capital social acompanha a roupagem jurídica a que tiver submetido o sócio ostensivo, seja para com terceiros, seja para com os sócios participantes. É dizer, sendo o sócio ostensivo uma sociedade limitada ou mesmo uma sociedade anônima, tanto o terceiro que com ele contratar, quando o sócio participante que com ele contratou, conhecendo de antemão a sua qualidade de LTDA ou S/A, não poderá pretender sua responsabilização ilimitada, ou seja, além do capital social, pura e simplesmente. Não estamos tratando aqui das diversas (e às vezes bastante questionáveis) hipóteses de desconsideração da personalidade jurídica, mas sim sustentando o entendimento de que não assiste razão seja aos terceiros, seja aos sócios participantes pretenderem responsabilizar a sociedade LTDA ou S/A enquanto sócia ostensiva de forma ilimitada.
Quanto à sua denominação, o Código Civil foi expresso em não admití-la. Em seu artigo 1.162 dispõe que: “A sociedade em conta de participação não pode ter firma ou denominação”.
No que tange à sede ou domicílio social, ainda que as partes elejam um estabelecimento onde serão exercidas as atividades da SCP, exteriorizadas pelo sócio ostensivo, para todos os efeitos de direito, adotar-se-á o endereço deste. E mais, ainda que as partes elejam um foro para discutir eventuais controvérsias havidas entre si, perante terceiros tal foro será indiferente.
Amador Paes de Almeida assevera que o sócio ostensivo sempre tem que ser pessoa física [xi]: Com o devido respeito ao ilustre doutrinador, discordamos com veemência da sua posição. A nosso ver, o artigo 991 não quis restringir o sócio ostensivo apenas às pessoas físicas, de modo que não há nenhum óbice legal a que pessoas jurídicas sejam sócias, quer ostensivas, quer participantes, valendo ressaltar que na prática, é o que mais acontece. A expressão “exercido em seu nome individual” é plenamente cabível às pessoas jurídicas, que também ostentam seus nomes (empresariais). Em linha com o entendimento ora esposado, vide o Recurso Especial nº 23.502 [xii].
A teor do artigo 996 [xiii] do Código Civil aplica-se à sociedade em conta de participação, subsidiariamente e no que com ela for compatível, as normas que regem as sociedade simples. A sua liquidação rege-se pelas normas relativas à prestação de contas, na forma da lei processual. Se houver mais de um sócio ostensivo, as respectivas contas serão prestadas e julgadas no mesmo processo.
A falência do sócio ostensivo acarreta a dissolução da sociedade e a liquidação da respectiva conta. Havendo saldo credor para o participante, este deverá o habilitar junto à massa falida. Havendo saldo devedor, a massa falida deverá cobrar o valor a que o sócio ostensivo agora falido fazia jus em face do sócio participante. [xiv]
Consoante observa Ricardo Negrão, “O Código Civil de 2002 tornou interessante a adoção da sociedade em conta de participação, regulamentando a natureza especial da contribuição do sócio oculto, denominando-o sócio participante, e permitindo sua habilitação como credor quirografário na falência do sócio ostensivo. Pela legislação comercial, o sócio oculto, no caso de falência do sócio ostensivo, vê os fundos com que contribuiu servirem para pagamento dos credores. Sua posição jurídica, nesse caso, é a de sócio com responsabilidade limitada aos fundos com que concorreu. No novo sistema, passa a figurar como credor concorrente ao concurso universal de credores.” [xv]
Falindo o sócio participante, a manutenção da sociedade em conta de participação dependerá do que for decidido pelo síndico da massa falida, o qual poderá optar por mantê-la ou extinguí-la, e neste caso, havendo outros sócios participantes, a sociedade em conta de participação continuará com relação a estes. [xvi]
No mais das vezes, a sociedade em conta de participação tem como objeto empreendimento definido, ao cabo do qual, satisfeitas as obrigações dele oriundas e distribuídos/repartidos os lucros/prejuízos, a continuação da sociedade perde seu significado. Todavia, nada obriga que assim seja feito, e nos casos em que a sociedade não possui prazo ou empreendimento determinado, sua extinção observará as regras aplicáveis às Sociedades Simples (artigo 1.033 do Código Civil[xvii]).
Para Mario Cozza, “o objeto social dessa sociedade poderá ser qualquer um, inerente à atividade própria do empresário, ou sociedade empresária, e à sociedade simples consoante for o sócio ostensivo. Por outro lado, não se requer que o objeto coincida ou tenha relação com a atividade do sócio ostensivo, mantendo-se todavia, a exigência de tratar-se de atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.” [xviii]
Não entendemos desta forma. Com o devido respeito ao professor Mario Cozza, a nosso ver, como o sócio ostensivo exercerá a atividade exclusivamente em seu nome e por sua exclusiva responsabilidade, é mister que, tratando-se de pessoa jurídica, seu objeto social contemple a atividade a ser exercida por força da conta de participação sob pena de exercer atividade para a qual não possui registro no órgão competente (Junta Comercial ou Cartório), podendo ser, especificamente quanto a esta atividade, considerada irregular pela ausência do registro, sofrendo as consequências daí advindas.
Vale lembrar ainda que sendo a sócia ostensiva uma sociedade anônima, eventual exercício de atividade fora do seu objeto social poderá ensejar aos seus acionistas o direito de retirada, nos termos do artigo 137 da Lei nº 6.404/76.
Vistos os principais aspectos societários das Sociedades em Conta de Participação, passemos nossa análise às questões fiscais.
Em que pese a tônica dada às SCP pelo Direito Societário, em especial quanto a ausência de personalidade jurídica, o fato é que a legislação fiscal federal a equipara às demais pessoas jurídicas, a teor do artigo 148 do RIR/99 [xix] e deste modo, a elege como contribuinte do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ), da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), da Contribuição para o PIS/Pasep e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), dentre os demais tributos.
Sobre esta equiparação, vide também o Ato Declaratório Interpretativo nº 14/2004 que dispõem em seu artigo único, § 1º: “As SCP são equiparadas às pessoas jurídicas pela legislação do Imposto de Renda, e, como tais, são contribuintes do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ), da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), da Contribuição para o PIS/Pasep e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS).”
O art. 149 do RIR/99 estatui que na apuração dos resultados da SCP serão observadas as normas aplicáveis às pessoas jurídicas em geral e o disposto no artigo 254, II do Regulamento. Vejamos então o mencionado dispositivo [xx]:
“Artigo 254. A escrituração das operações de sociedade em conta de participação poderá, à opção do sócio ostensivo, ser efetuada nos livros deste ou em livros próprios, observando-se o seguinte:
I – quando forem utilizados os livros do sócio ostensivo, os registros contábeis deverão ser feitos de forma a evidenciar os lançamentos referentes à sociedade em conta de participação;
II – os resultados e o lucro real correspondentes à sociedade em conta de participação deverão ser apurados e demonstrados destacadamente dos resultados e do lucro real do sócio ostensivo, ainda que a escrituração seja feita nos mesmos livros;
III – nos documentos relacionados com a atividade da sociedade em conta de participação, o sócio ostensivo deverá fazer constar indicação de modo a permitir identificar sua vinculação com a referida sociedade.”
É dizer, o sócio ostensivo deverá segregar de seu próprio resultado os eventos atribuíveis à SCP de modo que seja possível a apuração destacada dos lucros desta. Nesse sentido vale citar decisão do 2º Conselho de Contribuintes:
“SOCIEDADE EM CONTA DE PARTICIPAÇÃO – Os resultados da sociedade em conta de participação devem ser apurados em separado dos da própria pessoa jurídica que é o sócio ostensivo.” [xxi]
Assim, podemos afirmar que caso o sócio ostensivo utilize os seus próprios livros para registrar os eventos da SCP, deverá fazê-lo de tal forma que seja possível a correta identificação e apuração dos resultados atribuíveis à SCP. É recomendável que o sócio ostensivo adote Livro Diário próprio para as operações da SCP, como Diário auxiliar, ainda mais se ostentar esta qualidade em mais de uma SCP. Alternativamente, se utilizados os livros do próprio sócio ostensivo, os registros contábeis das operações deverão ser demonstradas no plano de contas mediante a criação de subgrupos relativos à SCP.
Periodicamente ou, ao final do exercício, o lucro auferido pela SCP deverá ser distribuído aos seus sócios, observada a proporção contratada. Como conseqüência de sua equiparação às demais pessoas jurídicas, os lucros apurados pela SCP e distribuídos aos seus sócios, a partir do mês de janeiro de 1996, são isentos do imposto de renda, não se sujeitando à incidência na fonte ou na apuração pelo beneficiário, pessoa física ou jurídica, domiciliado no País ou no exterior, consoante Lei nº 9.249/96, art. 10.
Na eventualidade de se apurar prejuízo, por óbvio e observadas as disposições contratuais eventualmente pactuadas, o mesmo será suportado pelos sócios na proporção de suas participações.
A seu turno, os prejuízos fiscais apurados pela SCP serão controlados separadamente para compensação com os lucros da mesma SCP, observados o limite e as condições gerais inerentes a este instituto nos termos da legislação vigente, e, não deverão ser incluídos na declaração de rendimentos. Desta forma, o prejuízo fiscal apurado pela SCP não poderá ser compensado com o lucro real do sócio ostensivo ou de outras SCP ou vice-versa.
As informações relativas à SCP devem ser consignadas na DIPJ do sócio ostensivo, consoante determinação do MAJUR, nos seguintes termos: “A pessoa jurídica que for sócia ostensiva de Sociedade em Conta de Participação (SCP) deve informar na DIPJ os valores referentes ao imposto de renda e contribuições apurados por todas as SCP”.
Como se vê, a pessoa jurídica sócia ostensiva da sociedade em conta de participação deverá informar em sua declaração de rendimentos os valores a pagar do IR e da CSLL da SCP, realizando, preliminarmente, as devidas compensações, inclusive em relação ao saldo negativo apurado em períodos anteriores que deve ser controlado na escrituração comercial, sem constar da declaração.
Frise-se, então, que as receitas e os lucros auferidos pela SCP não se confundem com as do sócio ostensivo, ainda que seja este quem apareça perante terceiros. Assim, os resultados das SCP devem ser apurados pelo sócio ostensivo, que também é responsável pela declaração de rendimentos e pelo recolhimento dos tributos e contribuições devidos por ela devidos.
Como não é exigido que a SCP se inscreva no CNPJ (item 4 da IN SRF nº 179/87), os respectivos dos tributos deverão ser recolhidos em DARF específico em nome e sob o CNPJ do sócio ostensivo, a teor do previsto no parágrafo 2º, do artigo 1º da IN SRF nº 31/01. [xxii]
Neste particular recomenda-se apor a expressão “SCP” após o nome do sócio ostensivo. O artigo 80 da Instrução normativa nº 247/02 determina que o sócio ostensivo deve efetuar o pagamento das contribuições incidentes sobre a totalidade da receita bruta da SCP, não sendo permitida a exclusão de valores devidos aos sócios ocultos.
Os valores investidos pelos sócios, pessoas jurídicas, deverão ser por eles registrados em conta do ativo permanente, mais especificamente, “investimentos”, em conformidade com o disposto no artigo 179, III, da Lei nº 6.404/76.
Deste modo, os recursos remetidos à SCP devem ser considerados como integralizações de capital e se estiverem sujeitos à avaliação pela equivalência patrimonial, cada entrega de recursos deverá ser desdobrada em Valor de Patrimônio Líquido e Ágio ou Deságio. Na SPC os recursos recebidos serão registrados como Patrimônio Líquido.
O investimento na SPC deverá ser avaliado, na investidora pessoa jurídica, pelo custo de aquisição ou pelo patrimônio líquido da sociedade coligada ou controlada, conforme a relevância do investimento.
Devem ser avaliados pela equivalência patrimonial os investimentos relevantes [xxiii]da pessoa jurídica em sociedades controladas e em sociedades coligadas em cuja administração tenha influência significativa, ou de que participe com 20% ou mais do capital votante, nos termos do artigo 248 da Lei nº 6.404/76, com a redação alterada pela Lei nº 11.638/07. Não se admite a avaliação pela equivalência patrimonial de investimentos que não se enquadrem nessas condições. Assim, os demais investimentos em participação no capital social de outras sociedades devem ser avaliados pelo custo de aquisição.
A avaliação de investimentos pela equivalência patrimonial deverá ser efetuada por ocasião da aquisição do investimento e em cada balanço de encerramento do período-base de apuração do lucro real ou quando da apuração pelo lucro presumido, momento em que o ajuste do valor do investimento ao valor de patrimônio líquido da coligada ou controlada deverá ser registrado mediante lançamento da diferença na conta de investimentos (que registra a respectiva participação societária) a débito, se positiva; ou a crédito, caso negativa, em contrapartida a uma conta de resultado.
Os lucros ou dividendos distribuídos pela coligada ou controlada deverão ser registrados pelo contribuinte como diminuição do valor de patrimônio líquido do investimento, e não influenciarão as contas de resultado, sendo registrados a crédito da conta que registra o investimento e a débito de disponibilidades. O resultado da equivalência patrimonial não influenciará a apuração do IRPJ e CSLL, devendo ser excluído ou adicionado em suas apurações conforme o caso.
Pelo método do custo de aquisição, os investimentos em participação no capital social de outras sociedades (não sujeitos à avaliação pela equivalência patrimonial) devem ser avaliados pelo custo de aquisição, deduzidos de provisão para perdas prováveis na realização do seu valor, quando essa perda estiver comprovada como permanente, observando-se que o referido custo não será modificado em razão do recebimento, sem custo, de ações ou quotas bonificadas.
O ganho ou perda de capital na alienação de participação em SCP será apurado segundo os mesmos critérios aplicáveis à alienação de participação societária em outras pessoas jurídicas (pela sistemática do lucro real ou presumido) ou físicas, a depender da qualidade do sócio.
Contabilmente, os lucros ou dividendos derivados de investimentos avaliados pelo custo de aquisição, recebidos de outras pessoas jurídicas, integram o lucro operacional da investidora. Todavia, os respectivos valores, poderão ser excluídos do lucro líquido para fins de apuração do lucro real, para determinação da base de cálculo da CSLL e da receita bruta para fins de determinação da base de cálculo do PIS e COFINS da investidora, do período-base.
A partir de 1º de janeiro de 2001, as sociedades em conta de participação foram autorizadas pela Receita Federal a optar pelo regime de tributação com base no lucro presumido, desde que observadas as demais regras para a sua opção, previstas na legislação tributária. Aquele órgão tinha entendimento consolidado até o ano-calendário de 2000 que os lucros apurados pelo sócio ostensivo e os lucros apurados pela sociedade em conta de participação deveriam obedecer ao regime de tributação com base no lucro real. [xxiv]
Vale ressaltar ainda que a RFB já se manifestou no sentido de que a sociedade em conta de participação, bem como seu sócio ostensivo, podem, conjuntamente, optar pelo regime de tributação com base no lucro presumido, ainda que a soma de suas receitas totais, no ano-calendário anterior, ultrapasse o limite de quarenta e oito milhões de reais, desde que observadas as demais condições para a opção previstas na legislação. [xxv]
Com efeito, questão interessante que pode otimizar a carga fiscal da operação reside na possibilidade da SCP ser tributada por sistemática de apuração do lucro distinta da sistemática utilizada pelo sócio ostensivo. Exemplificativamente, os resultados da conta de participação podem ser tributados pela sistemática do lucro presumido, mesmo que o sócio ostensivo esteja submetido ao lucro real e vice-versa. Igualmente, para a apuração do PIS e COFINS, deverão ser observadas as regras gerais de incidência, permitida a opção pelo regime cumulativo ou não-cumulativo, conforme a sistemática adotada para o imposto de renda, observada a legislação regente (Leis nº 10.637/02 e 10.833/03 e alterações posteriores).
A Instrução Normativa SRF n.º 31/01 explicitamente descreve a possibilidade da Sociedade em Conta de Participação optar por regime de tributação diferente da utilizada pelo sócio ostensivo, vejamos:
Art. 1º A partir de 1º de janeiro de 2001, observadas as hipóteses de obrigatoriedade de observância do regime de tributação com base no lucro real previstas no art. 14 da Lei nº 9.718, de 27 de novembro de 1998, as sociedades em conta de participação podem optar pelo regime de tributação com base no lucro presumido.
§ 1º A opção da sociedade em conta de participação pelo regime de tributação com base no lucro presumido não implica a simultânea opção do sócio ostensivo, nem a opção efetuada por este implica a opção daquela.
Esperamos, com o presente ensaio, ter contribuído com alguns dos principais aspectos societários e fiscais concernentes às Sociedades em Conta de Participação, sem, contudo, pretender esgotar os temas que circundam este instituto. Para arrematar, utilizamo-nos das palavras do professor Rubens Requião, segundo o qual “a sociedade em conta de participação constitui moderno instrumento de captação de recursos financeiros para o desenvolvimento econômico, tendo, além disso, amplas e úteis aplicações, dentro do moderno campo do direito comercial”. [xxvi]
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[i] In, Curso de Direito Comercial v. 2. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 478.
[ii] “Art. 991. Na sociedade em conta de participação, a atividade constitutiva do objeto social é exercida unicamente pelo sócio ostensivo, em seu nome individual e sob sua própria e exclusiva responsabilidade, participando os demais dos resultados correspondentes.”
[iii] REsp 168.028/SP, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, QUARTA TURMA, julgado em 07.08.2001, DJ 22.10.2001 p. 326.
[iv] “Art. 991. (…)
Parágrafo único. Obriga-se perante terceiro tão-somente o sócio ostensivo; e, exclusivamente perante este, o sócio participante, nos termos do contrato social.”
[v] “Artigo 993. O contrato social produz efeito somente entre os sócios, e a eventual inscrição de seu instrumento em qualquer registro não confere personalidade jurídica à sociedade.
Parágrafo único. Sem prejuízo do direito de fiscalizar a gestão dos negócios sociais, o sócio participante não pode tomar parte nas relações do sócio ostensivo com terceiros, sob pena de responder solidariamente com este pelas obrigações em que intervier.”
[vi] “Artigo 992. A constituição da sociedade em conta de participação independe de qualquer formalidade e pode provar-se por todos os meios de direito.“
[vii] REsp 474704/PR, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 17.12.2002, DJ 10.03.2003 p. 213
[viii] “Art. 995. Salvo estipulação em contrário, o sócio ostensivo não pode admitir novo sócio sem o consentimento expresso dos demais.”
[ix] “Artigo 994. A contribuição do sócio participante constitui, com a do sócio ostensivo, patrimônio especial, objeto da conta de participação relativa aos negócios sociais.
§ 1º. A especialização patrimonial somente produz efeitos em relação aos sócios.”
[x] In, Direito de Empresa, Teoria da Empresa e Direito Societário, Ed. Atlas. 2007, pg. 311/312
[xi]“A sociedade em conta de participação só pode envolver pessoas físicas? R. O art. 991 do N. Código Civil é de absoluta clareza: “ Na sociedade em conta de participação, a atividade constitutiva do objeto social é exercida unicamente pelo sócio ostensivo, em seu nome individual….. Em tais condições, o sócio ostensivo deve ser necessariamente pessoa física, inexistindo, entretanto, qualquer restrição legal a que o sócio participante (oculto) seja sociedade.” (In, Manual das Sociedades Comerciais, Ed. Saraiva, 14ª edição, pg. 121).
[xii] Sociedade em conta de participação – Pedido de prestação de contas formulado pelo sócio oculto. As contas deverão ser pedidas ao sócio ostensivo que administra os fundos comuns. Sendo aquele uma pessoa jurídica, esta acha-se obrigada a prestação de contas. (REsp 23502/SP, Rel. Ministro EDUARDO RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 13.09.1993, DJ 27.09.1993 p. 19819)
[xiii] “Artigo 996. Aplica-se à sociedade em conta de participação, subsidiariamente e no que com ela for compatível, o disposto para a sociedade simples, e a sua liquidação rege-se pelas normas relativas à prestação de contas, na forma da lei processual.
Parágrafo único. Havendo mais de um sócio ostensivo, as respectivas contas serão prestadas e julgadas no mesmo processo.”
[xiv] “Art. 994. (…)
§ 2º. A falência do sócio ostensivo acarreta a dissolução da sociedade e a liquidação da respectiva conta, cujo saldo constituirá crédito quirografário.
[xv] In, Manual de Direito Comercial e de Empresa, Ed. Saraiva, 3ª ed., pg. 299.
[xvi] “Art. 994. (…)
§ 3º. Falindo o sócio participante, o contrato social fica sujeito às normas que regulam os efeitos da falência nos contratos bilaterais do falido.”
[xvii] “Art. 1.033. Dissolve-se a sociedade quando ocorrer:
I – o vencimento do prazo de duração, salvo se, vencido este e sem oposição de sócio, não entrar a sociedade em liquidação, caso em que se prorrogará por tempo indeterminado;
II – o consenso unânime dos sócios;
III – a deliberação dos sócios, por maioria absoluta, na sociedade de prazo indeterminado;
IV – a falta de pluralidade de sócios, não reconstituída no prazo de cento e oitenta dias;
V – a extinção, na forma da lei, de autorização para funcionar.”
[xviii] In, Novo Código Civil, Do Direito de Empresa (arts. 966 a 1.195) Ed. Síntese, pg. 43.
[xix] “Art. 148. As sociedades em conta de participação são equiparadas às pessoas jurídicas (Decreto-Lei nº 2.303, de 21 de novembro de 1986, art. 7º, e Decreto-Lei nº 2.308, de 19 de dezembro de 1986, art. 3º).”
[xx] Determinação semelhante pode ser encontrada no item 2 da IN SRF nº 179/87
[xxi] (Ac. 108-06134, de 07.06.2000).
[xxii] “Artigo 1º (…)
Parágrafo 2º – O recolhimento dos tributos e contribuições devidos pela sociedade em conta de participação será efetuado mediante a utilização de Darf específico, em nome do sócio ostensivo.”
[xxiii] Para esse efeito, considera-se relevante o investimento:
a) em cada sociedade coligada ou controlada, se o valor contábil for igual ou superior a 10% do valor do Patrimônio Líquido da pessoa jurídica investidora; ou
b) no conjunto das sociedades coligadas e controladas, se o valor contábil for igual ou superior a 15% do valor do Patrimônio Líquido da pessoa jurídica investidora.
[xxiv] Soluções de Consulta 13/2000, SRRF 8ª. RF, DOU 15.03.2000; 51/2000, SRRF 1ª RF, DOU: 13.09.2000 e 197/2000, SRRF 8ª RF, DOU 29.11.2000.
[xxv] Solução de Consulta 63/2006, SRRF, 4a. RF, DOU 19.09.2006.
[xxvi] In, Curso de Direito Comercial, Ed. Saraiva, 22ª edição, pg. 300.