Créditos de Carbono: Natureza Jurídica e Tratamento Tributário

Artigo do Dr. Hugo Netto publicado na revista eletrônica “Tributário.net” no dia 30/09/2005.

Desde a Revolução Industrial, as alterações no clima do planeta, causadas em virtude de ações predatórias do ser humano, também denominadas ações antrópicas, passaram a acontecer em uma velocidade muito maior do que aquela com que ocorreriam naturalmente.

Emissões de gases poluentes, conhecidos como gases de efeito estufa, que formam uma espécie de película entre a atmosfera terrestre e o espaço, impossibilitam a reflexão da irradiação que provoca o aquecimento do globo terrestre, culminando em um aumento de aproximadamente um grau centígrado a mais do que o natural nas últimas décadas.

Tomando consciência de que as ações antrópicas demonstram claro risco para a continuidade de um meio ambiente ecologicamente equilibrado, os Estados-nação reuniram-se, na busca de alternativas para reduzir a emissão de gases de efeito estufa, como uma das ações para manutenção do meio ambiente.

Desta forma, por tratar-se de decisões e normatizações que têm ampla afetação em esfera internacional, foram realizados Acordos Internacionais, que são as normas de direito internacional por excelência.

O primeiro Tratado a versar sobre as alterações no clima foi a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (Convenção-Quadro), que foi concebida no decorrer da reunião internacional Rio-92. Após a assinatura deste tratado, que previa a necessidade de se estabelecer ações e metas para a redução na emissão de gases poluentes, diversas reuniões foram realizadas entre os países participantes da Convenção-Quadro, que culminaram na assinatura do Protocolo de Quioto à Convenção-Quadro, que prevê, dentre outras alternativas, as Reduções Certificadas de Emissões.

Este trabalho tem o escopo de analisar a natureza jurídica específica das Reduções Certificadas de Emissões (RCE’s) – largamente conhecidas pela alcunha de “Créditos de Carbono” – e o devido tratamento tributário a ser dispensado ao novel elemento (que se traduz em instituto a ser estudado pela ciência jurídica) por ocasião de sua comercialização por empresas nacionais.

1. CONVENÇÃO-QUADRO DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE MUDANÇA DO CLIMA E O PROTOCOLO DE QUIOTO. ESBOÇO HISTÓRICO.

Em junho de 1992, durante a “Cúpula da Terra” no Rio de Janeiro (Eco-92), 154 países assinaram um Tratado Internacional, o qual denominou-se Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, no qual reconheceram as mudanças climáticas como uma preocupação comum da humanidade, e se comprometeram a elaborar uma estratégia global com o fim de proteger o sistema climático para gerações presentes e futuras. Atualmente este tratado conta com a adesão de 186 países.

Em face das determinações firmadas com a assinatura da Convenção-Quadro, diversas Conferências das Partes (COP’s) foram realizadas – destas reuniões, podemos destacar como principal, e de maiores efeitos pragmáticos, o Mandato de Berlim -, nas quais foram discutidas as principais formas de se colocar em prática os objetivos estabelecidos no Rio de Janeiro em 1992.

Estas discussões terminaram com a assinatura do Protocolo de Quioto, em 1997, na cidade de Quioto, Japão, que estabeleceu metas a serem cumpridas até o ano de 2012, e meios para seu cumprimento, dentre os quais a criação do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, que posteriormente foi regulamentado pelo Acordo de Marraqueche.

2. MÉTODOS PARA A REDUÇÃO DA EMISSÃO DOS GASES DE EFEITO ESTUFA. REDUÇÕES DE EMISSÃO CERTIFICADAS.

O artigo 3.1., do Protocolo de Quioto dispõe acerca da necessidade de que os países signatários deste Acordo Internacional, e que apresentem emissão elevada de gases de efeito estufa promovam a redução das emissões totais desses gases, nos seguintes termos:

“ARTIGO 3.1. As partes incluídas no Anexo I(1) devem, individual ou conjuntamente, assegurar que suas emissões antrópicas agregadas, expressas em dióxido de carbono equivalente, dos gases de efeito estufa listados no Anexo A não excedam suas quantidades atribuídas, calculadas em conformidade com seus compromissos quantificados de limitação e redução de emissões descritos no Anexo B e de acordo com as disposições deste Artigo, com vistas a reduzir suas emissões totais desses gases em pelo menos 5 por cento abaixo dos níveis de 1990 no período de compromisso de 2008 a 2012”.

Para que possa atingir seu objetivo, cada um dos países cuja conduta se pretende regular através desta norma deverá formular programas nacionais e regionais adequados para melhorar a qualidade dos fatores de emissão, e que contenham medidas para mitigar a mudança do clima bem como medidas para facilitar uma adaptação adequada à mudança do clima, assim também cooperar na promoção de modalidades efetivas para o desenvolvimento, a aplicação e a difusão, e tomar as medidas possíveis para promover, facilitar e financiar, conforme o caso, a transferência ou o acesso a tecnologias, know-how, práticas e processos ambientalmente seguros relativos à mudança do clima, dentre outras práticas previstas no artigo 10, do Protocolo de Quioto.

Adicionalmente, foi instituído pelo Protocolo de Quioto o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), que proporciona uma alternativa às nações incluídas no Anexo I, da Convenção-Quadro, que não tenham condições de promover a necessária redução de gases em seu território, para que possam atingir suas metas, conforme transcrito abaixo:

“ARTIGO 12.3. Sob o mecanismo de desenvolvimento limpo:

(a) As partes não incluídas no Anexo I beneficiar-se-ão de atividades de projetos que resultem em reduções certificadas de emissões; e

(b) As partes incluídas no Anexo I podem utilizar as reduções certificadas de emissões, resultantes de tais atividades de projetos, para contribuir com o cumprimento de parte de seus compromissos quantificados de limitação e redução de emissões, assumidos no Artigo 3, como determinado pela Conferência das Partes na qualidade de reunião das Partes deste Protocolo”.

O MDL consiste, portanto, em uma forma subsidiária de cumprimento das metas de redução da emissão de gases de efeito estufa, estimulando, ao mesmo tempo, o desenvolvimento estruturado daqueles países que não tenham atingido níveis alarmantes de emissão de poluentes.

As reduções atingidas pelos países em desenvolvimento, e que não tenham sido albergados pelo Anexo I, poderão, destarte, ser utilizadas pelos países desenvolvidos para o cumprimento de parte de suas metas(2), e poderão ser atingidas, principalmente, através das seguintes posturas: (i) investimentos em tecnologias mais eficientes; (ii) substituição de fontes de energias fósseis por renováveis; (iii) racionalização do uso da energia; e (iv) florestamento e reflorestamento.

Devemos frisar que as atividades implementadas através do mencionado projeto devem, concomitantemente implicar uma redução adicional à que ocorreria sem a implementação do mesmo, contribuir para o desenvolvimento sustentável do país em que seja implementada, e demonstrar benefícios reais, mensuráveis e de longo prazo relacionados com a mitigação da mudança do clima.

Outrossim, é importante esclarecermos que o MDL apenas poderá ser implementado caso as reduções em comento sejam certificadas pelos organismos competentes. Significa dizer, a redução na emissão de gases poluentes implementada em países não incluídos no Anexo I, da Convenção-Quadro, só poderá contribuir para o cumprimento dos objetivos daqueles países incluídos no Anexo I após terem sido certificadas por entidades operacionais designadas pela Conferência das Partes, conforme estabelecido no artigo 12.5., do Protocolo de Quioto, in verbis:

“ARTIGO 12.5. As reduções de emissões resultantes de cada atividade de projeto devem ser certificadas por entidades operacionais a serem designadas pela Conferência das Partes na qualidade de reunião das Partes deste Protocolo, com base em:

(a) Participação voluntária aprovada por cada Parte envolvida;

(b) Benefícios reais, mensuráveis e de longo prazo relacionados com a mitigação da mudança do clima; e

(c) Reduções de emissões que sejam adicionais às que ocorreriam na ausência da atividade certificada de projeto”. (grifos nossos)

Ou seja, as atividades de projeto do MDL, bem como as reduções de emissões de gases de efeito estufa e/ou aumento de remoção de CO2 a estas atribuídas deverão ser submetidas a um processo de aferição e verificação por meio de instituições e procedimentos estabelecidos na COP-7.

2.1. Etapas para Aquisição das Reduções Certificadas de Emissões:

Assim, em face da real necessidade de se obter certificados de emissão reduzida para que se possa negociar os chamados “créditos de carbono”, passaremos a expor, de forma sucinta, as etapas que devem ser vencidas por quem pretende entrar no já denominado mercado de carbono.

O primeiro passo a ser cumprido é a elaboração de um documento de concepção do projeto, em que conste a descrição das atividades, os participantes, a metodologia das linhas de base, a metodologia de cálculo, o limite do projeto, a fuga, a definição do período de obtenção dos créditos, o plano de monitoramento, a justificativa para adicionalidade da atividade de projeto, documentos e referências sobre impactos ambientais, resumo dos comentários dos atores e informações sobre fontes adicionais de financiamento.

Feito isto, o projeto será encaminhado a uma Entidade Operacional(3), designada pela Conferência das Partes, que irá proceder à análise, validação e aprovação do mesmo, para que então possa ser remetido ao Conselho Executivo para ser registrado.

A partir do momento em que tenha sido registrado, será colocado em prática o plano de monitoramento, de acordo com o que tenha sido estabelecido no Documento de Concepção do Projeto (DCP). Caso ocorram efetivas reduções, em virtude do projeto, a Entidade Operacional acima mencionada, que também é responsável pela verificação da ocorrência de reduções, emitirá um certificado em favor da pessoa que tenha implementado o projeto.

Por fim, com base na certificação emitida pelas Entidades Operacionais Designadas, o Conselho Executivo emitirá as Reduções Certificadas de Emissões, ou “Créditos de Carbono”. São estes títulos que serão passíveis de comercialização, de acordo com o artigo 12.3., do Protocolo de Quioto.

3. NATUREZA JURÍDICA DOS CRÉDITOS DE CARBONO

De acordo com as bases de Direito Privado, bens são valores materiais ou imateriais, que podem ser objeto de uma relação de direito. O vocábulo, que é amplo no seu significado, abrange coisas corpóreas e incorpóreas, coisas materiais ou imponderáveis, fatos e abstenções humanas(4).

Os bens corpóreos são aqueles que têm existência física, ao passo que os bens incorpóreos “não têm existência tangível. São direitos das pessoas sobre as coisas, sobre o produto de seu intelecto, ou em relação a outra pessoa, com valor econômico: direitos autorais, créditos, invenções”(5).

Isto é, os bens incorpóreos são aqueles que, apesar de não terem existência física, interessam ao mundo jurídico, mormente por apresentarem valor econômico para os seres humanos, sujeitos últimos da incidência jurídica.

A partir de tais definições, pilares do ramo do direito privado que cuida do estudo das coisas, podemos classificar os “Créditos de Carbono” como bens incorpóreos, imateriais ou intangíveis, tendo em vista que estes não têm existência física, mas são reconhecidos pela ordem jurídica (Protocolo de Quioto), tendo valor econômico para o homem, uma vez que são passíveis de negociação.

Portanto, podemos afirmar, com tranqüilidade, que os “Créditos de Carbono” caracterizam-se como direitos de seus detentores, ou seja, bens intangíveis, tal como amplamente demonstrado nas linhas acima. Entretanto, muito se discute, atualmente, se estes títulos, emitidos em favor daquelas pessoas jurídicas que de alguma forma contribuem para a diminuição dos gases de efeito estufa, são bens intangíveis puros, ou apresentam-se na forma de derivativos (ativos financeiros).

Para buscar uma solução para esta controvérsia, se faz necessário que tragamos à baila, de antemão, a definição de derivativos.

Pois bem, os derivativos são ativos financeiros ou valores mobiliários cujo valor e características de negociação derivam do ativo que lhes serve de referência, de tal forma que nas operações no mercado financeiro envolvendo derivativos, o valor das transações deriva do comportamento futuro de outros mercados, como o de ações, câmbio ou juros(6).

Significa dizer que o Mercado de Derivativos é o mercado no qual a formação dos preços deriva dos preços do mercado à vista. Neste universo, podemos identificar os mercados futuros, os mercados a termo, os mercados de opções e o mercado de swaps(7).

Desta forma, a par das fundadas discussões existentes acerca da natureza econômica destes créditos, manifestamos nossa predileção pela classificação dos “Créditos de Carbono”, concedidos mediante a entrega das Reduções Certificadas de Emissões (RCE’s), como ativos intangíveis puros, uma vez que, a nosso ver, a sua natureza, bem como o seu valor, não derivam de qualquer outro ativo ao qual estejam vinculados.

Contudo, ainda que seja este o nosso entendimento, tramita atualmente na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei no 3.552/04, que confere aos créditos de carbono natureza de valores mobiliários(8), incluindo-os, desta forma, no campo de regulação obrigatória pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

Ademais, os créditos de carbono já são negociados na Chicago Climate Exchange (CCX)(9), e também no Brasil já existe um projeto, com previsão para implementação ainda em 2005, para que os tais títulos sejam negociados na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro (BVRJ) e na Bolsa de Mercadorias e Futuros (BM&F), como commodities, o que passaria a caracterizar as RCE’s como verdadeiros derivativos, tendo em vista que a formação de seu preço passaria a derivar dos preços do mercado à vista.

4. ASPECTOS TRIBUTÁRIOS RELEVANTES

É a natureza jurídica do instituto sob análise que irá determinar que tipo de tributação sobre ele deva incidir. De acordo com disposição do Código Tributário Nacional (CTN), o diferencial característico de cada uma das espécies tributárias encontra-se em seu aspecto material, ou seja, o fato hipotético previsto no antecedente da norma jurídica tributária estar vinculado a uma atividade estatal (taxas e contribuições de melhoria) ou não (impostos, contribuições e empréstimos compulsórios).

De pronto podemos notar que a comercialização dos “Créditos de Carbono” não apresenta como fato central de sua hipótese de incidência qualquer atividade estatal, posto que depende exclusivamente da vontade dos particulares pactuantes para que sua ocorrência se materialize no mundo fático, descaracterizando desde logo a incidência de qualquer taxa ou contribuição de melhoria. Resta-nos, portanto, analisar a incidência de impostos, contribuições e empréstimos compulsórios.

Por outro lado, ao tratarmos da incidência dos impostos, por se tratarem de tributos que recaem sobre atividades praticadas em âmbito privado, foi determinada, no foro constitucional, a divisão de competências para a instituição destes, e traçado todo o arquétipo de cada um dos impostos permitidos pelo Legislador Constituinte, que se definem exatamente pelo fato encontrado no núcleo da hipótese de incidência, de forma que se faz necessário conhecermos bem a natureza da transação que temos diante de nós para estudo.

No caso em estudo, tratamos da comercialização dos “Créditos de Carbono”, que, ao molde do quanto já foi exposto em tópico específico, têm natureza jurídica de bem incorpóreo, ou intangível, de tal modo que nos é forçoso definir se tal operação pode caracterizar-se juridicamente como compra e venda.

Pois bem. Conforme preleciona Salvo Venosa, “é necessário, obviamente, que a coisa objeto do contrato de compra e venda esteja no comércio, isto é, seja suscetível de alienação. A idéia leva originalmente em conta as coisas corpóreas; todavia, os bens incorpóreos também podem ser objeto do negócio, embora para este assuma a denominação de cessão(10)”.

Assim, por estarmos falando em bens imateriais, concluímos não ser possível tratar tal operação por compra e venda de bens, denominação esta que apenas se aplica aos bens materiais. Logo, por definição, estamos diante de uma cessão de bens intangíveis, também comumente chamada de cessão de direitos.

Com isto, excluímos a possibilidade de incidência do ICMS sobre tais operações, uma vez que o referido tributo afeta apenas as circulações de mercadorias(11), que, conforme podemos extrair das valiosas lições de José Eduardo Soares de Melo, são os bens corpóreos da atividade empresarial do produtor, industrial e comerciante, tendo por objeto a sua distribuição para consumo(12).

Não é de nosso interesse, portanto, abordar todos os impostos e contribuições previstos na Constituição Federal, tendo em vista que diversos deles, a exemplo do que ocorre com o ICMS, não podem recair sobre o fato em comento, qual seja, a comercialização de bens intangíveis, ou cessão de direitos. Desta forma, analisaremos apenas os impostos e contribuições que podem, de alguma forma, incidir sobre a comercialização dos créditos de carbono, ou causar qualquer incerteza sobre sua incidência.

Destacamos que para os comentários que passaremos a expor, partimos da premissa segundo a qual as operações de comercialização dos “Créditos de Carbono” serão efetuadas sempre entre uma empresa nacional (detentora dos “créditos”) e uma empresa estrangeira (adquirente destes mesmos “créditos”).

Ressaltamos que este é apenas um corte metodológico que adotaremos, o que não exclui a possibilidade de tais créditos serem transferidos para um intermediário nacional, que posteriormente os repasse para o exterior, ou ainda que as negociações sejam feitas através de empresas comerciais exportadoras.

4.1. Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL):

Naquilo que diz respeito ao Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) e à Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), não nos resta dúvida de que as empresas que comercializarem “Créditos de Carbono” deverão reconhecer contabilmente uma receita de alienação dos mesmos, que afetará, ao fim, a apuração de seu lucro contábil, e por conseqüência seu lucro fiscal, assim pela sistemática de apuração pelo Lucro Real como também pelo Lucro Presumido.

Portanto, não nos restam dúvidas de que tal operação encontra-se albergada pela hipótese de incidência dos tributos ora em análise, razão pela qual deverá ser gravada pelos mesmos, de acordo com a legislação fiscal atualmente em vigor.

Vale ressaltar que atualmente tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei no. 4.425/04, que concede um benefício fiscal para as pessoas jurídicas que investirem em projetos de MDL, autorizando que o lucro decorrente da alienação dos créditos de carbono seja excluído do lucro tributável pelo IRPJ e pela CSLL.

Contudo, enquanto tal projeto não for aprovado, não vislumbramos qualquer previsão na legislação fiscal infraconstitucional atualmente em vigor que isente tais receitas da tributação pelos tributos acima mencionados.

Todavia, entendemos que há a possibilidade de as pessoas jurídicas que pratiquem a comercialização dos “Créditos de Carbono” discutirem a inconstitucionalidade da exigência de CSLL sobre estas receitas, uma vez que decorrem de operações de exportação, em razão da imunidade concedida pelo artigo 149, § 2º., da Constituição Federal, acrescentado pela Emenda Constitucional no. 33/2001(13).

Resta, por fim, definirmos a base imponível, ou seja, o valor que deverá ser oferecido à tributação pelo IRPJ e pela CSLL (caso o Poder Judiciário entenda pela não aplicação do art. 149, § 2º., para esta contribuição). Para tanto, será necessário dividirmos os próximos comentários em dois tópicos distintos, a fim de abordar a apuração pelo Lucro Real e pelo Lucro Presumido.

4.1.1. Apuração do IRPJ e da CSLL pelo Lucro Real

Ora, sabemos que as bases de cálculo dos tributos em comento, quando calculados pela Sistemática do Lucro Real, são alcançadas através do lucro contábil da Pessoa Jurídica, acrescido de valores que de alguma forma afetaram na sua diminuição, e que não são considerados dedutíveis pela legislação fiscal, e diminuídos das receitas que, a par de terem aumentado o lucro líquido, são consideradas não-tributáveis.

Pois bem, imaginemos – apenas com o intuito de facilitar a análise que pretendemos realizar – que a única operação da pessoa jurídica seja a implementação de projetos para a redução da emissão de gases poluentes, aquisição de “Créditos de Carbono” decorrentes destes projetos, e sua posterior comercialização.

Se fosse possível encontrarmos esta situação hipotética, em que a única operação de tal pessoa jurídica seria a implementação do mencionado projeto, de forma que a totalidade de suas receitas seria obtida pela comercialização dos “Créditos de Carbono” obtidos com a redução na emissão de gases de efeito estufa, teríamos que seu lucro líquido contábil seria, justamente, a diferença entre o valor obtido pela venda dos “Créditos de Carbono” e o custo de aquisição destes.

Assim, resta-nos identificar o custo de aquisição de um ativo intangível. Conforme determina o Princípio do Custo como Base de Valor, “o custo de aquisição de um ativo ou dos insumos necessários para fabricá-lo e colocá-lo em condições de gerar benefícios para a Entidade representa a base de valor para a Contabilidade, expresso em termos de moeda de poder aquisitivo constante”.

É importante esclarecermos que este princípio foi formulado em um momento histórico em que só se consideravam como ativos passíveis de contabilização aqueles bens e direitos que haviam custado efetivamente à entidade para incorporar, de tal sorte que bens e direitos que houvessem sido doados não seriam passíveis de contabilização.

Embora hoje em dia o entendimento do Princípio se tenha ampliado bastante, ainda permanece o fato de que é um valor de entrada que deve prevalecer, como base de registro para a Contabilidade(14).

Assim, partindo das premissas acima adotadas, podemos concluir que, no caso específico dos créditos de carbono, em respeito ao princípio do conservadorismo, devam ser contabilizados os gastos incorridos para se conseguir a RCE, tais como os custos para a implementação do projeto, através do qual irá atingir os níveis de redução de emissão de gases de efeito estufa.

Desta forma, em análise às etapas a serem cumpridas para a aquisição da RCE, entendemos que o custo de aquisição dos “Créditos de Carbono” seria composto majoritariamente pelo valor despendido com a implementação dos projetos para a redução na emissão de gases poluentes, sejam eles de implementação de novas tecnologias, racionalização do uso de energia, ou de florestamento e reflorestamento.

Portanto, a tributação da comercialização de “Créditos de Carbono” pelo IRPJ e pela CSLL – ressalvada a discussão acerca da incidência da CSLL sobre as receitas de exportação – se daria sobre o valor líquido entre a receita de venda e o valor de registro do bem intangível, que, conforme acabamos de demonstrar, trata-se do valor de implementação do projeto que confere direito às RCE’s.

4.1.2. Apuração do IRPJ e da CSLL pelo Lucro Presumido

Quando falamos em lucro presumido estamos diante de uma prévia e opcional presunção do lucro. Ou seja, presume-se a lucratividade da empresa de acordo com o segmento de atuação, aplicando-se um percentual legalmente determinado sobre sua receita. Desta forma, as empresas que auferirem receita de até R$ 48.000.000,00 no ano-calendário anterior ao período de apuração, e que não estejam obrigadas à apuração pelo Lucro Real, poderão optar por esta sistemática.

Pois bem, a Lei no 9.249/95(15) determina que o percentual de lucratividade a ser aplicado nas atividades de cessão de direitos de qualquer natureza será de 32%. Desta forma, a empresa que comercializar créditos de carbono deverá tributar a receita oriunda desta atividade a uma razão aproximada de 10,88%, que corresponde à incidência do IRPJ e seu adicional(16), e da CSLL sobre o lucro presumido da pessoa jurídica.

4.2. PIS e COFINS:

De acordo com a determinação da legislação fiscal atualmente em vigor, a contribuição para o PIS/Pasep e a COFINS têm como fato gerador o faturamento mensal, assim entendido o total das receitas auferidas pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil.

Todavia, devemos esclarecer que a Constituição Federal, através de seu artigo 149, § 2º., I, concedeu imunidade do PIS e da COFINS em relação às receitas decorrentes de exportação, tendo esta imunidade sido confirmada pelo legislador, através dos artigos 5º., I, da Lei no 10.637/02, e 6º., I, Lei no 10.833/03.

Convém, ainda, tenhamos presente que desobedecer a uma regra de imunidade equivale a incidir em inconstitucionalidade(17).

Desta forma, entendemos que a receita auferida nas operações de comercialização dos “Créditos de Carbono”, com base na premissa que assumimos para fins deste trabalho de que tais operações se realizarão sempre entre uma empresa nacional (cedente) e uma empresa domiciliada no exterior (cessionária), não será gravada pela contribuição ao PIS e pela COFINS.

Apenas a título ilustrativo, uma vez que a contribuição ao PIS e a COFINS já se encontram protegidas pela imunidade, julgamos interessante trazer à colação o fato de que o Projeto de Lei no 4.425/04, atualmente em trâmite na Câmara dos Deputados, concede isenção destes tributos para as pessoas jurídicas que invistam em projetos de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo que gerem RCE’s.

4.3. Imposto Sobre Operações Financeiras (IOF):

O IOF é imposto de competência da União, conforme previsto no artigo 153, inciso V, da Constituição Federal, que incide sobre operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários.

Segundo nosso entendimento, já manifestado em momento oportuno, ao tratarmos da natureza jurídica dos “Créditos de Carbono”, estes são ativos intangíveis puros, não possuindo natureza financeira, de forma que sobre eles não deverá recair o IOF.

Todavia, naquela mesma oportunidade observamos que o Projeto de Lei no 3.552/04 pretende classificar os “Créditos de Carbono” como valores mobiliários, além de a prática comercial apontar também neste sentido(18).

Desta forma, caso os “Créditos de Carbono” venham a ser definidos legalmente como derivativos, ou ainda que tomem este revestimento pela prática comercial, passando a ser considerados valores mobiliários, passarão a sofrer a incidência do IOF, de acordo com as disposições da legislação pertinente ao IOF, consolidada no Decreto no 4.494/02 (Regulamento do IOF – RIOF).

Portanto, entendemos ser relevante abordarmos os principais aspectos relacionados a este imposto, no que diz respeito especificamente à operação de comercialização dos “Créditos de Carbono”.

O RIOF, em seus artigos 25 a 37, aborda a incidência do imposto sobre as operações relativas a títulos ou valores mobiliários, apontando os elementos componentes da hipótese de incidência, tais como fato imponível, contribuintes, responsáveis, base de cálculo e alíquota.

Fica determinado, neste instrumento normativo, que nos casos de cessão de títulos e valores mobiliários, o fato gerador será a própria cessão destes títulos, tendo sido eleito como contribuinte o adquirente, em obediência às normas tributárias que determinam que contribuinte deve ser aquele sujeito que tem relação direta com o fato imponível e demonstra capacidade contributiva, signo de riqueza.

Contudo, em face da dificuldade de fiscalização e administração de todos os sujeitos que realizem transações envolvendo títulos e valores mobiliários, o legislador elegeu como responsável tributário as Instituições Financeiras autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil (BACEN), ou as bolsas de valores, de mercadorias, de futuros e assemelhadas.

O IOF incidirá sobre o valor da cessão, incidindo à alíquota máxima de 1,5% ao dia, e deverá ser cobrado e recolhido na data da liquidação financeira da operação.

4.4. Imposto Sobre Serviços (ISS):

A princípio pode causar estranheza enfrentarmos a questão da tributação dos créditos de carbono pelo ISS, uma vez que se trata da comercialização de bens incorpóreos. No entanto, muito se fala, especialmente na esfera da ciência econômica, que a cessão de bens intangíveis se equiparam à prestação de serviços. Se tal conceito for levado a cabo, as receitas auferidas pela comercialização dos “Créditos de Carbono” deverão ser gravadas pelo referido imposto(19).

Desta forma, pretendemos demonstrar, nestas linhas, que juridicamente a cessão de bens intangíveis não pode se equiparar à prestação de serviço. Muito embora as análises econômicas comparem a prestação de serviços à cessão de direitos, não podemos permitir que análises econômicas invadam o campo jurídico.

O conceito jurídico de prestação de serviço é o de qualquer esforço humano, realizado em favor de terceiro. Logo, pela teoria das obrigações, poderíamos diferenciar a compra e venda de bens da prestação de serviço pelo fato de que estas se configuram em obrigação de fazer, ao passo que aquelas são verdadeiras obrigações de dar.

De pronto percebemos que na cessão dos créditos de carbono não há esforço humano em favor de terceiro, não há obrigação de fazer algo em favor do adquirente dos créditos. Há, sim, uma obrigação de dar um bem (ainda que imaterial), sobre o qual um determinado sujeito de direito detém a propriedade, a outrem.

De tal sorte que não poderíamos concluir de outra forma que não pela afirmação de que sobre as receitas oriundas da comercialização de “Créditos de Carbono” não há incidência do Imposto Sobre Serviços (ISS).

5. CONCLUSÃO

Com a entrada em vigor do Protocolo de Quioto, em fevereiro deste ano, estabeleceu-se um novo mercado, envolvendo a negociação de certificados de emissão reduzida, amplamente conhecidos pela alcunha de “Créditos de Carbono”, oriundos da utilização do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo.

Tais “créditos”, que poderão ser concedidos aos países em desenvolvimento que implementarem projetos de desenvolvimento sustentável, buscando a manutenção de um meio-ambiente equilibrado, são passíveis de comercialização, mostrando-se como forma complementar para os países do Anexo I atingirem suas metas de redução, estabelecidas no Protocolo de Quioto.

Diante da necessidade de se conhecer mais a fundo a natureza jurídica das Reduções Certificadas de Emissões, nos propusemos a este estudo, e constatamos que se tratam de bens incorpóreos – ou bens intangíveis – de acordo com os pilares da doutrina de direito privado, especialmente no ramo que se propõe ao estudo das coisas.

Por fim, analisamos a incidência tributária que deverá gravar as operações de comercialização dos Créditos de Carbono, com base na legislação fiscal atualmente em vigor, e concluímos o quanto segue:

* IRPJ/CSLL – o valor decorrente da comercialização dos Certificados de Emissão Reduzida deverá ser registrada contabilmente como receita, e desta forma afetará o lucro contábil, e conseqüentemente as bases de cálculo do IRPJ e da CSLL da empresa que atuar neste mercado. Portanto, a menos que o PL no 4.425/04 venha a ser aprovado – concedendo isenção deste dois tributos sobre as receitas decorrentes da venda de “Créditos de Carbono” – as receitas ora em análise serão gravadas pelo IRPJ e pela CSLL.

* PIS/COFINS – as operações que envolverem a exportação de “Créditos de Carbono” estarão protegidas da incidência do PIS e da COFINS por força de imunidade, encontrada no artigo 149, § 2º, I, da Constituição Federal.

* IOF – Há a possibilidade de incidência do IOF sobre o valor da cessão dos “Créditos de Carbono”, caso estes títulos venham a ser reconhecidos como ativos financeiros (derivativos), e conseqüentemente como títulos ou valores mobiliários.

* ISS – as receitas decorrentes da comercialização de “Créditos de Carbono” não deverão sofrer a incidência do ISS, tendo em vista que, ao contrário do que se repete incansavelmente na doutrina econômica, a cessão de direitos não se confunde com a prestação de serviços. Vale lembrar que a argumentação da Ciência da Economia não pode invadir a esfera jurídica, da Ciência do Direito.

É certo que não pretendemos, com este estudo, esgotar o quanto se há para discutir acerca de instituto tão novo, e que ainda encontra-se sujeito à uma série de regulamentações jurídicas, como por exemplo os citados Projetos de Lei nos 3.552/04 e 4.425/04, mas apenas apresentar nossas conclusões acerca da natureza jurídica das RCE’s e do seu adequado tratamento tributário.

Notas
(1) Países industrializados membros da OCDE, exceto México e Coréia do Sul, além de países industrializados em processo de transição para uma economia de mercado, que constam do Anexo I, da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima.
(2) Devemos destacar que o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo é uma foma subsidiária de cumprimento de metas, sendo vedado aos países do Anexo I a utilização deste para o cumprimento total de suas metas.
(3) Para os projetos a serem implementados no Brasil, a Entidade Operacional Designada é a Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima (CIMGC).
(4) MONTEIRO, Washington de Barros – “Curso de Direito Civil – V.1” – 27ª. Ed., Saraiva, p. 135
(5) VENOSA, Sílvio de Salvo – “Direito Civil – Parte Geral” – Atlas Jurídico, 5ª. Ed., 2005, p. 329
(6) Definição extraída do Dicionário de Finanças, disponível no site da BOVESPA – www.bovespa.com.br
(7) FORTUNA, Eduardo – “Mercado Financeiro – Produtos e Serviços”, Qualitymark, 10ª. Ed., 1997, p. 343
(8) A natureza jurídica de valor mobiliário concedida aos “Créditos de Carbono”, segundo a Exposição de Motivos do referido Projeto de Lei, independe de sua classificação como ativo intangível puro ou como derivativo.
(9) “CCX is the world’s first and North America’s only voluntary, legally binding rules-based greenhouse gas emissions allowance trading system”. Texto extraído do site da CCX – www.chicagoclimatex.com
(10) VENOSA, Sílvio de Salvo – “Direito Civil – Contratos em Espécie”, Atlas Jurídico, 5ª. Ed., 2005, p. 34
(11) De acordo com o inestimável magistério de Roque A. Carrazza “a obrigação tributária só nasce diante da plena e cabal identificação do conceito do fato ocorrido com o conceito da hipótese de incidência. Assim, se o fato ocorrido é identificável como cessão de direitos não há como subsumi-lo à hipótese de incidência vender mercadorias.” (grifos no original) (CARRAZZA, Roque Antonio – “ICMS”, Malheiros, 8ª. Ed., 2002, p.119)
(12) MELO, José Eduardo Soares de – “ICMS – Teoria e Prática”, Dialética, 5ª. Ed., 2002, p. 18
(13) Vale mencionar, no que toca o questionamento da incidência da CSLL sobre as receitas de exportação no judiciário, que esta tese não teve boa aceitação nos Tribunais. Temos notícia da concessão de liminares em primeira instância, algumas das quais foram caçadas, e algumas poucas sentenças, também de primeira instância. Ressalte-se que este tema ainda não foi apreciado pelo STF.
(14) Manual de Contabilidade das Sociedades Por Ações – FIPECAFI – 5ª. Ed. – 2000, p. 51.
(15) Art. 15, § 1º., III, “c”
(16) Vale destacar que o adicional de 10% do IRPJ somente será devido por aquelas empresas que apresentarem base tributável superior a R$ 240.000,00 no ano-calendário.
(17) CARRAZZA, Roque Antonio – “ICMS”, 8ª. Ed., Malheiros, 2002, p. 340
(18) Tais títulos já são negociados na forma de commodities pela Chicago Climate Exchange (CCX), e existe um projeto para que no Brasil sejam negociados na BVRJ e na BM&F.
(19) Devemos destacar que não é absurda a idéia de que se possa pretender a incidência de ISS sobre cessão de direito, equiparando-a à prestação de serviço. Apenas para dar concretude a nosso receio, trazemos à colação alguns itens inseridos na Lista de Serviços anexa à Lei Complementar no 116/03:
1.05 – Licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computação.
3.02 – Cessão de direito de uso de marcas e de sinais de propaganda.
15.09 – Arrendamento mercantil (leasing) de quaisquer bens, inclusive cessão de direitos e obrigações, substituição de garantia, alteração, cancelamento e registro de contrato, e demais serviços relacionados ao arrendamento mercantil (leasing).