Contribuições Previdenciárias e FGTS sobre Vale Refeição pago em dinheiro

Artigo do Dr. Paulo Attie publicado nas revistas eletrônicas  “Tributario.net” no dia 29/03/2006, “Jus Navigandi” no dia 01/05/2006, “Fiscosoft” no dia 02/06/06 e “Trinolex” no dia 07/06/06

INCIDEM CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS E FGTS SOBRE O PAGAMENTO DE VALE REFEIÇÃO/ALIMENTAÇÃO EM DINHEIRO, COM BASE EM CONVENÇÃO COLETIVA?

O presente artigo pretende abordar uma contingência comum a inúmeros contribuintes, pessoas jurídicas empregadoras, que pautando-se em previsões de acordos coletivos firmados por si, ou por intermédio de seus sindicatos, com os sindicatos dos seus empregados, têm pago o vale refeição a seus empregados em dinheiro, moeda corrente.

Resta saber, contudo, e é o que este artigo pretende analisar, se o pagamento do vale refeição/alimentação em dinheiro, mesmo que autorizado por convenção/acordo coletivo implicará na caracterização deste benefício como salário de contribuição e, via de conseqüência, a sua inclusão na base de cálculo das contribuições previdenciárias devidas ao INSS, bem como sobre os depósitos de FGTS devidos por parte da pessoa jurídica empregadora.

Sob a ótica jurídica, salário corresponde ao pagamento realizado diretamente pelo empregador para o empregado, como retribuição pelo seu trabalho. Remuneração, por outro lado é o termo empregado para albergar tanto o salário quanto as gorjetas recebidas, conforme dispõe a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, in verbis:

“Art. 457. Compreendem-se na remuneração do empregado, para todos os efeitos legais, além do salário devido e pago diretamente pelo empregador, como contraprestação do serviço, as gorjetas que receber.

Art. 458. Além do pagamento em dinheiro, compreende-se no salário, para todos os efeitos legais, a alimentação, habitação, vestuário ou outras prestações in naturaque a empresa, por força do contrato ou costume, fornecer habitualmente ao empregado.”

Por outro lado, como se sabe, as contribuições previdenciárias a que os empregadores estão sujeitos, por força do artigo 195, I, a da Constituição Federal têm como base de cálculo o salário de contribuição.

Salário de Contribuição, nos termos do artigo 28, I da Lei nº 8.212/91, vem a ser:
“Art. 28. Entende-se por salário de contribuição:
I – para o empregado e trabalhador avulso: a remuneração auferida em uma ou mais empresas, assim entendida a totalidade dos rendimentos pagos, devidos ou creditados a qualquer título, durante o mês, destinados a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma, inclusive as gorjetas,os ganhos habituais sob a forma de utilidades e os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços efetivamente prestados, quer pelos serviços, quer pelo tempo à disposição do empregador ou tomador de serviços nos termos da lei ou do contrato ou, ainda, de convenção ou acordo coletivo de trabalho ou sentença normativa;
(…)
§ 9º. Não integram o salário de contribuição para fins desta Lei, exclusivamente:
(…)
c) a parcela in natura recebida de acordo com os programas de alimentação aprovados pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social, nos termos da Lei nº 6.321, de 14 de abril de 1976.” [1]

Desta feita, percebe-se que, a teor do art. 28, I, da Lei nº 8.212/91 a totalidade de rendimentos pagos, devidos ou creditados a qualquer título, os ganhos habituais ainda que sob a forma de utilidades integram o salário de contribuição.

No que nos interessa mais de perto, a única hipótese da alimentação fornecida habitualmente ao empregado não se configurar como salário de contribuição é aquela em que o empregador o faz, com base no Programa de Alimentação do Trabalhador – PAT, aprovado pelo Ministério do Trabalho.

Outrossim, consoante disposto no artigo 8º da Portaria nº 03/2002, da Secretaria de Inspeção do Trabalho e do Diretor do Departamento de Segurança e Saúde no Trabalho, para a execução do PAT, a pessoa jurídica beneficiária poderá (i) manter serviço próprio de refeições ou distribuição de alimentos ou (ii) firmar convênios com entidades que forneçam ou prestem serviço de alimentação coletiva devidamente credenciadas no PAT.

Como se vê, o pagamento em dinheiro, do auxílio alimentação não é uma das formas albergadas pelo PAT e portanto, se assim for feito, tais valores serão caracterizados como salário de contribuição e sobre eles incidirá contribuição previdenciária, conforme mansa e pacífica jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça[2].

Com efeito, o pagamento do auxílio refeição em dinheiro será caracterizado como salário de contribuição, mesmo que autorizado por Acordo/Convenção Coletiva. É que, conforme demonstrar-se-á na seqüência, os acordos/convenções coletivas não têm o condão de afastar a aplicabilidade das normas tributárias advindas da relação de trabalho.

O artigo 611 da CLT define a convenção coletiva como o acordo de caráter normativo, entre um ou mais sindicatos de empregados e de empregadores, de modo a definir as condições de trabalho que serão observadas em relação a todos os trabalhadores dessas empresas.

O § 1º do artigo 611 esclarece que os acordos coletivos são os pactos entre uma ou mais empresas com o sindicato da categoria profissional, em que são estabelecidas condições de trabalho, aplicáveis a essas empresas.

Assim, salta aos olhos, já de início, que as convenções/acordos coletivos de trabalho têm sua aplicação direcionada para o regramento das condições do contrato de trabalho.

No dizer de Sergio Pinto Martins, a negociação coletiva cria normas aplicáveis às relações individuais de trabalho. Segundo o autor, a norma coletiva “prescreve condições gerais de trabalho, encerrando cláusulas que irão regular os contratos individuais de trabalho em curso ou futuros.”[3] Isso quer dizer que a convenção/acordo coletivo seria uma espécie de regulamento do contrato de trabalho, mas como assevera o citado autor, estaria contida no âmbito do direito privado, in verbis:

“Entretanto, não se pode dizer que a convenção coletiva esteja no âmbito do direito público, pois é feita para e pelos particulares, estando compreendida no direito privado. (…)
O sindicato é, atualmente, uma entidade privada, não pertencendo ao Estado, não sendo órgão deste. A convenção coletiva, porém, nasceu no âmbito do direito privado, tratando de relações entre particulares, não se podendo falar também em delegação pelo Estado. A convenção coletiva não é uma lei delegada pelo Estado, pois o sindicato não pode elaborar leis, que são de competência do Poder Legislativo. Ressalte-se que as leis delegadas são elaboradas pelo Presidente da República, mediante delegação do Congresso Nacional (art. 68 da CF).”

Disto decorre como conclusão lógica que tais avenças, pactuadas entre sindicatos e/ou sindicatos e empresas não possuem força de afastar a aplicação de normas legais acerca de tributação tal qual, in casu, o artigo 28 da Lei nº 8.212/91.

Sobre o tema discorre Octávio Bueno Magano

“Como se situa a convenção coletiva em face das outras fontes de direito?

Em princípio, há de se entender que cede o lugar a fontes de maior hierarquia e prevalece sobre as de menor. Isso quer dizer, em outras palavras, que a convenção se oblitera em face da Constituição, da lei (lei ordinária, lei complementar, lei delegada, medida provisória, decreto legislativo e dos acordos-macros), mas prepondera sobre o acordo coletivo, o regulamento de fábrica e o contrato individual do trabalho.”[4]

Neste mesmo sentido, novamente, Sérgio Pinto Martins:

“É preciso dizer, inicialmente, que as normas coletivas são inferiores hierarquicamente à lei. A Lei, que é editada pelo Poder Legislativo, é superior hierarquicamente à norma coletiva, que pode ser fruto de composição das partes ou de imposição pelo Poder Judiciário nos dissídios coletivos. A norma coletiva também é inferior hierarquicamente à Constituição, não podendo contrariá-la, assim como à lei, mormente se o preceito encerrado nestas últimas é de ordem publica.”[5]

Ora, nada mais natural que as convenções/acordos coletivos de trabalho fiquem impedidas de alterar os preceitos legais, em especial, os que tratam das obrigações tributárias dos empregadores, como tratado no presente estudo.

A própria CLT evidenciando tal limite das convenções/acordos coletivos dispôs, expressamente, em seu artigo 623, que “será nula de pleno direito disposição de Convenção ou Acordo que, direta ou indiretamente, contrarie proibição ou norma disciplinadora da política econômica financeira do Governo ou concernente à política salarial vigente, não produzindo quaisquer efeitos perante autoridades e repartições púbicas, inclusive para fins de revisão de preços e tarifas de mercadorias e serviços.” (g.n)

Como se sabe, as normas tributárias tratam das receitas públicas, receitas ordinárias, que integram a política financeira Estatal.

Noutro giro, tem-se por inarredável em direito tributário que as convenções particulares podem ser feitas e são juridicamente válidas entre as partes, mas nenhum efeito produzem contra a Fazenda Pública, consoante expressa o Código Tributário Nacional, em seu artigo 123.

Neste mesmo sentido, porém tratando-se de outra exação tributária, vale transcrever excerto de Ivan Pereira da Cunha:

“Acordo coletivo. ‘…mesmo que tivessem as partes da relação trabalhista, através de Acordo Coletivo, pactuado natureza diversa não lhe altera, substancialmente, a natureza salarial para outros efeitos estranhos ao Acordo Coletivo, no caso, para excluir da base de cálculo do imposto de renda pessoa física os valores recebidos a tal título, sob o argumento de possuírem natureza indenizatória. Até porque, frise-se, o Acordo Coletivo, ainda que mais abrangente do que o Contrato Individual, atingindo toda a categoria representada, tem a natureza de convenção particular cujos efeitos não podem ser opostos à Fazenda Pública, para modificar a definição legal da obrigação tributária correspondente, consoante o disposto no art. 123 do CTN.”[6]

Assim, como salientado anteriormente, os acordos ou convenções coletivas não possuem força de descaracterizar o pagamento do auxílio refeição em dinheiro como salário de contribuição, haja vista que tal enquadramento decorre do artigo 28, da Lei nº 8.212/91, e no rol das suas exceções contempla-se, tão somente o auxílio refeição pago in natura, ou documentos de legitimação, nos termos do PAT.

E neste sentido tem se pronunciado os Tribunais Pátrios, conforme ilustra a decisão abaixo, proferida pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região, na qual um sindicato pleiteava, com base também em acordo/convenção coletiva o não recolhimento de contribuição previdenciária sobre os valores pagos em dinheiro aos empregados, pelos empregadores associados, ao qual foi negado provimento, confira:

“Proc. 2004.03.00.029475-8 AG 208970
Orig. 200461000132956/SP
Agrte: Sindeprestem Sindicato das Empresas de Prestação de Serviços a terceiros Colocação e Administração de Mão-de-obra e de Trabalho Temporário no Estado de São Paulo. (…)
Agrdo.: Instituto Nacional do Seguro Social – INSS (…)
Relator: Des.Fed. Luiz Stefanini / Primeira Turma

“Trata-se de Agravo de Instrumento com pedido de efeito suspensivo interposto em face da r. decisão que, em mandado de Segurança coletivo impetrado no mister de determinar a não inclusão do valor pago em dinheiro a título de auxílio-alimentação na base de cálculo das contribuições sociais incidentes sobre a folha de salários e dos valores devidos ao FGTS, indeferiu liminar.

Alega a agravante que o auxílio-alimentação é proporcionado com o fim de ressarcir o trabalhador pelas despesas de alimentação e não como uma contraprestação ao trabalho efetuado pelo empregado.

Aduz que se constitui em verdadeira ajuda de custo, que, por não exceder cinqüenta por cento do salário do empregado, não o integra, nos termos do artigo 457, § 2º da CLT. Lembra que é pacífico o entendimento do Superior Tribunal do Trabalho no sentido de que a ajuda-alimentação tem natureza indenizatória não integrando a remuneração do empregado, razão pela qual e, mormente, por não se revestir de natureza salarial, o auxílio-alimentação não integra a base de cálculo das contribuições sociais incidentes sobre a folha de salários e dos valores devidos ao FGTS. Acrescenta que a fixação em convenções Coletivas de Trabalho do pagamento em dinheiro do vale-refeição acentua o caráter indenizatório dessa ajuda de custo.

Pugna, outrossim, pela concessão de efeito suspensivo.

O MM. Magistrado indeferiu a liminar pleiteada assinalando que o afastamento da exigência tributária questionada depende da fixação da natureza jurídica do auxílio-alimentação. Assim, por entender que os adicionais em comento têm natureza salarial integram a remuneração do empregado para todos os fins.
Decido.

Neste juízo de cognição sumária, não vislumbro relevante fundamentação a favor do agravante que autorize a concessão do efeito suspensivo pleiteado.

Inicialmente observo que a contribuição social consiste em um tributo destinado a uma determinada atividade exercitável por entidade estatal ou por entidade não estatal reconhecida pelo Estado como necessária ou útil à realização de uma função de interesse público.

O artigo 195, I, reza que a Seguridade Social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da Lei, mediante recursos provenientes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições Federais:

I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da Lei, incidentes sobre:

a) folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício.

A simples leitura do mencionado artigo autoriza concluir que dar-se-á a incidência da contribuição social sobre a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos a qualquer título – frise-se é dizer, sobre a totalidade de percepções econômicas dos trabalhadores, qualquer que seja a forma ou meio de pagamento.

Com vista ao enunciado, é possível concluir que o auxílio-alimentação pago em pecúnia importa em rendimento do trabalho, ou seja, em acréscimo pecuniário, razão pela qual se impõe a inclusão de sobredito valor da base de cálculo da exação em foco.

Não bastasse, a Lei 6.321, de 14 de abril de 1976 que dispõe a cerca da dedução do lucro tributável para fins de Imposto sobre a Renda das pessoas jurídicas, estabelece em seu artigo 3º que não se inclui como salário de contribuição a parcela paga in natura, pela empresa, nos programas de alimentação aprovados pelo Ministério do Trabalho.

Denota-se, portanto, que a não ser nos moldes do Programa de alimentação do Trabalhador, instituído pela Lei 6.321/76 que pretendeu estabelecer incentivo fiscal a quem fornecer ao empregado alimentação gratuitamente, todas as refeições integram o salário de contribuição.

A Consolidação das Leis do Trabalho, em seu dispositivo 458 é clara no sentido de que além do pagamento em dinheiro, compreende-se no salário, para todos os efeitos legais, a alimentação, habitação, vestuário e outras prestações in natura que a empresa, por força do contrato ou do costume, fornecer habitualmente ao empregado.

O enunciado nº 241 do Tribunal Superior do Trabalho finaliza o debate:

241. Salário-utilidade. Alimentação.

O vale para refeição, fornecido por força do contrato de trabalho, tem caráter salarial, integrando a remuneração do empregado, para todos os efeitos legais.

O mesmo se diga, portanto, a cerca do Fundo de garantia por Tempo de Serviço, isto porque, a teor do próprio enunciado colacionado, as quantias pagas a título de alimentação integram o salário para todos os efeitos legais. Assim, importando o FGTS em uma conta vinculada que comporta depósito correspondente a 8% da remuneração mensal paga ao empregado, é de se incluir nessa parcela os valores correspondentes ao auxílio-alimentação.

Ademais, o Decreto nº 99.684/1990 quando cuidou dos depósitos, explicitou no parágrafo único do artigo 27 as parcelas que não integram a base de cálculo para incidência do mencionado percentual, não trazendo nesse rol o auxílio-alimentação.

Na esteira desse entendimento, pacífico entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, conforme se demonstra:

‘Tributário. auxílio-alimentação. Parcela in Natura. Pagamento em Conta-corrente. Incidência da Contribuição Previdenciária.

I – Em se tratando de depósitos em dinheiro na conta de funcionários do Banco do Brasil, não há que se falar em caráter in natura; prevalecendo, ao contrário, a natureza salarial de tais valores, havendo sobre eles a incidência da contribuição previdenciária.

II – Agravo regimental improvido.”

(STJ – Superior Tribunal de Justiça. AGREsp – Agravo Regimental no Recurso Especial – 603.509, Processo 200301981783 UF:CE Órgão Julgador: Primeira Turma, DJ Data: 14/06/2004. Relator: Francisco Falcão).’ (…)

Diante do exposto e entendendo ausente a plausibilidade do direito invocado, indefiro a suspensividade postulada. (…) (D.J.U. 2 de 3.9.2004, pp.306/7)”

Mas não é só. No mesmo sentido, também os Tribunais Regionais Federais da 2ª e 5ª Regiões:

“Processual civil. Agravo de instrumento, indeferimento de Antecipação de tutela. Ação ordinária anulatória de autuação Fiscal. NFLD. Contribuição previdenciária incidentes sobre alimentação fornecida gratuitamente.

Não reside verossimilhança na alegação de não caracterizar salário “in natura” parcela de custo com alimentação não repassadas aos Trabalhadores por força de convenção coletiva, mormente se não estão adequados aos programas de alimentação do trabalhador, na forma do art. 28 §9º da Lei nº 8.212/91.”[7] (g.n)

“Processual civil. Execução fiscal. Acordo coletivo do trabalho. Ajuda-alimentação. Depósito em dinheiro na conta dos funcionários do Banco do Brasil. Caráter salarial. Incidência de contribuição Previdenciária. Possibilidade. (…)
2 – In casu, o auxílio-alimentação não foi pago “in natura”, tampouco em tíquete, mas mediante depósito em conta do empregado.
3 – Como é evidente, a ajuda-alimentação paga em pecúnia, não se traduz em salário “in natura”, mas genuíno salário, a permitir o desconto alusivo à contribuição previdenciária.”[8] (g.n)

Em conclusão, acreditamos ter demonstrado que mesmo havendo previsão contida em acordos ou convenções coletivas, eventual pagamento do auxílio alimentação em dinheiro para os empregados, acarretará na tributação destes valores pelas contribuições previdenciárias e também quanto ao FGTS, gerando, assim, contingência para as pessoas jurídicas que agirem desta forma.