A indevida pretensão Fiscal em cobrar ICMS-comunicação sobre serviços de monitoramento

A indevida pretensão do Fisco Estadual de São Paulo em cobrar ICMS-comunicação sobre serviços de monitoramento e rastreamento de veículos e cargas.
Artigo do Dr. Paulo Attie publicado nas revistas especializadas FISCOSOFT no dia 18/07/08, TRIBUTARIO NET no dia 21/07/08 e NOTÍCIAS FISCAIS no dia 23/07/08.

I – Breve Histórico da Pretensão do Fisco Paulista

Em 20/12/2006 foi publicado o Convênio ICMS 139/2006 que autorizou os Estados e Distrito Federal a conceder “redução da base de cálculo” e “anistia de juros e multa” no tocante ao ICMS supostamente incidente na prestação de serviços de comunicação, na modalidade de monitoramento e rastreamento de veículo e carga:

“CONVÊNIO ICMS 139/06. Publicado no DOU de 20.12.06, pelo Despacho 18/06.

Ratificação Nacional DOU de 08.01.07, pelo Ato Declaratório 02/07.Autoriza os Estados e do Distrito Federal a conceder redução de base de cálculo do ICMS na prestação de serviço de comunicação, na modalidade de monitoramento e rastreamento de veículo e carga.O Conselho Nacional de Política Fazendária – CONFAZ, na sua 124ª reunião ordinária, realizada em Macapá, AP, no dia 15 de dezembro de 2006, tendo em vista o disposto na Lei Complementar nº 24, de 7 de janeiro de 1975, resolve celebrar o seguinte CONVÊNIO

Cláusula primeira. Ficam os Estados e o Distrito Federal autorizados a reduzir a base de cálculo do ICMS incidente na prestação onerosa de serviço de comunicação, na modalidade de monitoramento e rastreamento de veículo e carga, de forma que a carga tributária máxima seja equivalente à apuração do percentual de até 12% (doze por cento) sobre o valor da prestação. (…)

Cláusula Nona. Este convênio entra em vigor na data da publicação de sua ratificação nacional.”

Em 05 de janeiro de 2007, o Secretário Executivo do Conselho Nacional de Política Fazendária – CONFAZ ratificou o Convênio ICMS 139/06, mediante o Ato Declaratório nº 02/07.
Nesta esteira, o Governador do Estado de São Paulo editou o Decreto nº 51.484/07, por meio do qual fez acrescentar o artigo 47 ao anexo II do RICMS-SP, com a seguinte redação:

“Artigo 2° – Ficam acrescentados os dispositivos adiante indicados ao Regulamento do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação, aprovado pelo Decreto n° 45.490, de 30 de novembro de 2000, com a seguinte redação:

(…)
III – ao Anexo II, o artigo 47:
“Artigo 47 – (RASTREAMENTO DE VEÍCULO E CARGA) – Fica reduzida a base de cálculo do imposto incidente na prestação de serviço de comunicação, na modalidade de monitoramento e rastreamento de veículo e de carga, de forma que a carga tributária resulte no percentual de (Convênio ICMS-139/06):
I – 5% (cinco por cento), até 31 de dezembro de 2007;
II – 7,5% (sete inteiros e cinco décimos por cento), de 1º de janeiro a 31 de dezembro de 2008;
III – 10% (dez por cento), a partir de 1º de janeiro de 2009.
Diante da leitura dos atos normativos mencionados, tem-se que, aos olhos do fisco paulista, os serviços de monitoramento e rastreamento de veículos e cargas seriam uma modalidade de serviços de comunicação, e portanto, suscetíveis de tributação pelo ICMS-comunicação. Assim sendo, necessário se faz aprofundarmo-nos na hipótese de incidência deste tributo para verificar se a atividade de monitoramento de veículos e cargas a ele se subsume.
II – ICMS-comunicação – Hipótese de Incidência
A Constituição Federal, em seu artigo 155, II, outorgou competência aos Estados e ao Distrito Federal para a instituição do ICMS sobre serviços de comunicação. Explicitando este dispositivo constitucional a Lei Complementar 87/96 (Lei Kandir) em seu artigo 2º, III estabeleceu que:

“Art. 2° O imposto incide sobre:

(…)
III – prestações onerosas de serviços de comunicação, por qualquer meio, inclusive a geração, a emissão, a recepção, a transmissão, a retransmissão, a repetição e a ampliação de comunicação de qualquer natureza; (g.n.)

Igualmente e como não poderia deixar de ser, a Lei nº 6.374/89 do Estado de São Paulo, em seu artigo 1º, III, também delimitou o campo de incidência do ICMS-comunicação nestes mesmos termos[1].

Pois bem, antes de mais nada, faz-se mister investigarmos o verdadeiro campo de incidência do ICMS-comunicação, consubstanciado na expressão “prestar serviços de comunicação”.
Prestar um serviço, na autorizada lição de Aires Fernandino Barreto, consiste na “prestação de esforço humano a terceiros, com conteúdo econômico em caráter negocial, sob regime de direito privado, tendente a obtenção de um bem material ou imaterial”.[1]

Nas palavras de Roque Carraza: “a prestação (onerosa) do serviços de comunicação. (…) Em linguagem mais técnica, a hipótese de incidência possível deste ICMS é prestar, a terceiros (um tomador e um receptor), em caráter negocial, serviços de comunicação. (…) Portanto, para que haja comunicação basta existam dois sujeitos: o emissor e o receptor. Todavia, para que haja prestação do serviço de comunicação – esta, sim, tributável por meio de ICMS – é mister que ambos sejam postos em contato por um terceiro, que, mediante contraprestação econômica, disponibiliza-lhes os meios para que troquem mensagens.”[2]

Com efeito, é da definição do que vem a ser “serviços de comunicação” que se extrai o critério material de incidência possível deste ICMS. Desta forma, antes de nos atentarmos para “serviços de comunicação”, vejamos o significado da expressão “comunicação”: “Comunicação (do latim comunicatione) S.F. 1: Ato ou efeito de comunicar-se. 2. Ato ou efeito de emitir, transmitir e receber mensagens por meio de método e/ou processos convencionados, quer através de linguagem falada ou escrita, quer de outros sinais, signos ou símbolos, quer de aparelhamento técnico especializado, sonoro e/ou visual (…) 11. Eng. Eletrôn. Transmissão de Informações de um ponto a outro por meio de sinais em fios, ou de ondas eletromagnéticas. 12. Teor. Inf. Transmissão de mensagens entre uma fonte e um destinatário.” “Comunicações[3] 1. Transferência (ou movimento) de informações entre usuários e processos, de acordo com convenções preestabelecidas. 2. Ramo da tecnologia relacionado com a representação, transferência, interpretação e processamento de dados entre pessoas, lugares e máquinas.”

A partir da definição exposta, tem-se que a comunicação pode ser compreendida através da transferência de informações entre um ente e outro por meio de códigos específicos.
Todavia, como já assentado acima, a mera comunicação, não é suscetível de ser tributada, quer pelo ICMS, quer por qualquer outro tributo havido em nosso sistema jurídico, mas apenas a atividade de prestar “serviços de comunicação” a terceiros.

Toda comunicação pressupõe a existência de cinco elementos distintos, quais sejam: emissor, canal, mensagem, código e receptor. Deste modo, claro está que o núcleo da hipótese tributária, prestar serviços de comunicação, só ocorre quando presentes todos estes elementos, e em especial, a figura do prestador de serviços de comunicação, que oferece os meios adequados para que a comunicação ocorra.

Assim, a subsunção do fato à norma jurídica tributária do ICMS-comunicação só ocorre quando alguém (prestador de serviços de comunicação) mediante recursos tecnológicos necessários, disponibiliza a tecnologia capaz de transferir as informações do emissor para o receptor, em troca de uma remuneração.

Anote-se, portanto, que a disponibilidade de condições materiais – canal ou veículo através do qual a informação transita – é imprescindível para que o “serviço de comunicação” ocorra.

O serviço de telecomunicação é espécie do gênero de serviço de comunicação. Assim, no direito positivo brasileiro, a Lei nº. 9.472/97 que disciplina os serviços de telecomunicação é a principal fonte primária para a interpretação do que vem a ser serviços de comunicação.

Pois bem, a finalidade de trazer os preceitos da referida lei tem o propósito de consolidar a idéia de que a disponibilização dos elementos materiais para que terceiros se comuniquem é indispensável para que se possa falar em prestação de serviços de comunicação. Neste sentido, vejamos o que prescreve o artigo 60, §2º da referida Lei nº 9.472/97: “§ 2º – Estação de telecomunicações é o conjunto de equipamentos ou aparelhos dispositivos e demais meios necessários à realização de telecomunicações, seus acessórios e periféricos e, quando for o caso, as instalações que os abrigam e complementam, inclusive terminais portáteis”.

Nota-se que a prestadora de serviços de telecomunicações deve possuir e disponibilizar um conjunto de equipamentos ou aparelhos úteis e necessários para possibilitar que a comunicação ocorra. Marco Aurélio Greco e Anna Paula Zonari asseveram: “A prestação de serviços de comunicação prescinde do conteúdo da mensagem transmitida, tipificando-se como a simples colocação à disposição do usuário dos meios e modos para a transmissão e recepção das mensagens (…) Presta Serviço, isto sim, a empresa que mantém em funcionamento o sistema de comunicação consistente em terminais, centrais, linhas de transmissão, satélites, etc.[4]” (g.n.)

Estudada a hipótese de incidência “prestação de serviços de comunicação”, ocupemo-nos dos serviços de monitoramento de bens (cargas e veículos), para evidenciar que estes não se enquadram como modalidade daquele.

III – O serviço de Monitoramento e Rastreamento de Veículos e Cargas

Monitorar pode ser descrita como a atividade de alguém observar, ininterrupta ou periodicamente, algum objeto, bem ou pessoa, vigiando-a. Monitorar significa[5]: 1. Acompanhar, vigiar e simultaneamente avaliar (alguém, atividade, desempenho, funcionamento etc) com ou sem aparelhos ; MONITORIZAR [td.: Monitorar um doente/um coração/qualidade de imagem/a evolução dos preços] 2  Exercer as funções de um monitor em  [td.: Monitorar uma turma]

Rastrear por sua vez, tem como definição[6]: 1. Seguir o rastro, a pista (fugitivo, caça etc.). 2  Realizar a localização de (um animal, um objeto, um veículo etc.) por meio de algum sinal (eletrônico, de frequência etc.), por meio de satélite etc. : chip eletrônico para rastrear bovinos. 3  Localizar, por meio de programa específico, a origem de : Rastrear um e-mail contaminado: Rastrear um vírus. 4  Investigar a respeito de ; INQUIRIR.

Note-se então que monitorar ou rastrear veículos e/ou cargas é uma atividade econômica bem distinta da atividade de prover tecnologia para que para que terceiros possam se comunicar.

Que fique claro desde logo. Nada impede que uma empresa de serviços de comunicação, que possua e disponibilize ao mercado todo o aparato, tecnologia e canal de comunicação, de modo a assegurar que determinada informação originada de um emissor chegue ao receptor, também, por opção sua, contemple em seu objeto social e exerça a prestação de serviços de monitoramento e rastreamento de veículos e cargas. Mas daí, concluir-se, como quer fazer crer o fisco estadual, que um contribuinte, pelo simples fato de prestar o serviço de monitoramento e rastreamento tem e disponibiliza tecnologia e canal de comunicação a terceiros é no mínimo fantasioso.

Pois bem. Consoante o exposto até o momento, para que se possa falar que alguém “presta serviços de comunicação”, é imprescindível que este alguém, via determinada tecnologia (telefonia, rádio freqüência etc) disponibilize um canal pelo qual a informação originada do emissor possa ser recebida pelo receptor.

Por sua vez, a prestadora de serviço de monitoramento não presta qualquer serviço de comunicação, ao contrário, o utiliza como subsídio, como meio, como custo, para concretizar sua atividade fim, não diferentemente de uma empresa de call center, que se utiliza do telefone como meio para a consecução da sua prestação de serviços própria.

Bem se vê então que o serviço de comunicação para a prestadora do serviço de monitoramento/rastreamento nada mais é do que um meio de se alcançar sua atividade fim.
Neste aspecto, mais uma elucidativa distinção. O serviço de comunicação, disponibilizado pelas empresas que detêm canais de comunicação, por si só, em nada ajuda na redução dos riscos e/ou na tomada de providências em caso de furto/roubo do caminhão/carga, caso não exista, um outro serviço, qual seja, o de monitoramento constante daquele caminhão/carga, que, acompanhando-o em todo o seu trajeto perceba alguma anomalia e ato contínuo tome as providências cabíveis.

Portanto, embora o serviço de comunicação seja imprescindível para que o serviço de monitoramento possa ser realizado, com ele não se confunde.

Doutro turno, o serviço de monitoramento de veículos e cargas não necessita de autorização, permissão ou concessão da União, conforme determina o artigo 21, XI, da Constituição Federal, nem tampouco submissão à Agência Reguladora deste setor – Anatel, já que não se confunde com “serviço de comunicação”.

Nesse contexto novamente, Roque Antônio Carrazza, para quem: “Também não tipificam serviços de comunicação, tributáveis por meio do ICMS, a coleta e transmissão de informações que uma pessoa faz, para si própria, em ordem a possibilitar-lhe a prestação de outro serviço, como por exemplo, o de processamento de dados (este tributável, em tese, por meio de ISS)”[7]. (g.n.)

Portanto, a prestadora de serviços de monitoramento/rastreamento não pode figurar no pólo passivo de relação jurídico-tributária de ICMS-comunicação, contida no artigo 2º da Lei 87/96, haja vista que não é detentora de meios e modos necessários à transmissão e recepção de mensagens essenciais à prestação de serviço de comunicação, mas deles apenas se utiliza para alcançar sua atividade fim e, nem tampouco, necessita de permissão ou concessão da União para o seu funcionamento.

IV – Da semelhança com os provedores de acesso à internet

O E. Superior Tribunal de Justiça ao analisar a hipótese de incidência do ICMS-comunicação na situação dos provedores de acesso à Internet considerou que: “… O serviço prestado pelo provedor de acesso à Internet não se caracteriza como serviço de telecomunicação, porque não necessita de autorização, permissão ou concessão da União, conforme determina o artigo 21, XI, da Constituição Federal. Não oferece, tampouco, prestações onerosas de serviços de comunicação (art. 2º, III, da LC n. 87/96), de forma a incidir o ICMS, porque não fornece as condições e meios para que a comunicação ocorra, sendo um simples usuário dos serviços prestados pelas empresas de telecomunicações.[8]

Posteriormente, após firmar sua jurisprudência neste sentido, de que o ICMS-comunicação não incide sobre a prestação de serviços dos provedores de acesso à internet, haja vista que não fornece condições e meios para que a comunicação ocorra, o Tribunal Superior acabou por editar a Súmula 334 publicada em 14/02/2007, com o seguinte enunciado: “O ICMS não incide no serviço dos provedores de acesso à Internet.”

José Eduardo Soares de Melo já destacava que “…Os provedores de acesso a internet não configuram o ‘canal’ realizador da comunicação; não colocam a disposição do usuário os meios e modos necessários à transmissão e recepção de mensagens. Sua tarefa, por conseguinte, não é prestar serviço de comunicação, mas tornar mais eficiente o serviço comunicacional prestado por outra empresa.”[9] (g.n.)

Nada obstante, a atividade de monitoramento/rastreamento também não se confunde com o conceito de “serviço de valor adicionado” trazido pela Lei 9.472/97, em seu artigo 61, tendo em vista que não acrescenta nem tampouco dá suporte ao serviço de telecomunicação descrito pelo artigo: “Art. 61 – Serviço de Valor Adicionado é a atividade que acrescenta, a um serviço de telecomunicações que lhe dá suporte e com o qual não se confunde, novas utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento, apresentação, movimentação ou recuperação de informações”.

Diante da leitura do dispositivo em comento, nota-se que a prestação de serviços de monitoramento/rastreamento de veículos e cargas em nada acrescenta o serviço de telecomunicação. Logo, também não há que se falar, in casu, de serviço de valor adicionado.

V – Dos Conceitos Utilizados pelo Ordenamento Jurídico

A divisão do poder de tributar ocorre por meio de regras que descrevem fatos tributáveis. Daí serem intransponíveis os limites conceituais previstos nas regras de competência. Fora deles não há poder de tributar.

Não por acaso que o Supremo Tribunal Federal, ao se pronunciar sobre as regras de competência, asseverou que o interprete “… não deve ir além dos limites semânticos, que são intransponíveis”. Como se pode, então, saber qual é o conceito efetivamente estabelecido pela Constituição? Quando não o faz expressamente, a Constituição incorpora conceitos vigentes no direito infraconstitucional anterior à nova ordem constitucional, dentro do espaço por ela permitido. Assim, a Constituição estabelece conceitos por incorporação quando, ao utilizar um termo, sem conceituá-lo de modo diverso, termina por incorporar o conceito que é utilizado tradicionalmente no direito infraconstitucional vigente antes da sua promulgação.

Alguns exemplos o demonstram. Quando a Constituição usou o termo “faturamento”, incorporou o conceito de faturamento estabelecido no direito infraconstitucional pré-constitucional, a saber, o conceito previsto no Decreto-Lei nº 2.397/87 (receita bruta proveniente de venda de mercadorias e da prestação de serviços). Quando a Constituição usou o termo “folha de salário”, incorporou o conceito de salário instituído no direito infraconstitucional pré-constitucional, a saber, o conceito previsto na Consolidação das Leis do Trabalho (remuneração paga pelo empregador ao empregado, assim considerado aquele que mantém vínculo contínuo de subordinação com seu empregador). Quando a Constituição usou a expressão “circulação de mercadoria”, incorporou o conceito de mercadoria estabelecido no direito infraconstitucional pré-constitucional, a saber, o conceito previsto no Código Comercial (coisa móvel que possa ser objeto de comércio por quem exerce mercancia com habitualidade).

Por sua vez, e nas palavras de Aires Fernandino Barreto “Os serviços de comunicação, conquanto sujeitos à competência tributária estadual, têm sua regulação administrativa a cargo da União Federal, ex vi do art. 21, incisos XI e XII, e art. 22, IV, da CF. Daí por que, existindo lei federal definidora do que sejam os serviços de comunicação, materialmente considerados – e, sob esse aspecto, não havendo, no conceito de lei federal, nenhum desbordamento do conceito constitucional desses serviços, para fins de tributação – não se pode, em princípio, desconsiderar os termos das suas definições.”[10]

Desta forma, a expressão “prestar serviços de comunicação”, tal qual faturamento, folha de salários, mercadoria, entre outros, tem seu conceito pré-constitucional, que não pode ser alargado pelo fisco estadual, como se pretende fazer ao considerar que serviços de monitoramento e rastreamento de veículos e cargas seriam uma modalidade de serviços de comunicação.

Quando o Estado de São Paulo, mediante decreto[11], alargou conceito de serviço de comunicação para tentar incluir os serviços de monitoramento e rastreamento de veículos e cargas, acabou por afrontar o disposto no artigo 110 do Código Tributário Nacional, in verbis:

“Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.”
O dispositivo acima, inserto no Código Tributário Nacional é norma que verdadeiramente prescindia de estar expressa, já que, parafraseando o Ilmo Sr. Min. Luiz Gallotti, caso os entes tributantes pudessem chamar de renda o que não é renda, receita o que não é receita, serviço de comunicação o que não é serviço de comunicação, ruiria por completo a limitação ao poder de tributar, trazida pela Constituição Federal.

Diante do exposto e tomando-se por base os conceitos de serviços de comunicação e de serviços de monitoramento, resta demonstrado que estes não se amoldam àqueles e, portanto, carece razão e competência ao Estado de São Paulo para alterar conceitos previamente estabelecidos pelo ordenamento jurídico brasileiro objetivando aumentar o alcance dos seus tributos.

VI – Da repartição de competências tributárias pela Constituição

Ainda que desnecessário, cumpre destacar que, sob o pressuposto do Federalismo Brasileiro, a Constituição Federal delimitou a competência para que a União, Estados, Distrito Federal e Municípios possam instituir tributos, conforme prescreve seus artigos 153 a 156.

Como se não bastasse, a Constituição Federal foi mais a fundo, tendo determinado que à Lei Complementar cabe estabelecer normas gerais em matéria de tributos, definindo-os e suas espécies e no que nos importa mais de perto, dispor sobre eventuais conflitos de competência em matéria tributária, entre os entes federativos (CF, art 146. I e III).
No caso em tela, a Constituição Federal atribuiu competência para que os Estados e Distrito Federal tributem, quanto aos serviços, apenas e tão somente os serviços de transporte interestadual e intermunicipal e os serviços de comunicação. Para todos os demais serviços que não estes dois acima, a Constituição atribuiu competência aos Municípios, nos seguintes termos: “serviços de qualquer natureza, não compreendidos no artigo 155, II [transporte interestadual e intermunicipal e os serviços de comunicação] definidos em lei complementar;”

Note-se, a competência residual fora atribuída aos municípios, ou seja, todos os serviços que não sejam compreendidos como de transporte interestadual ou intermunicipal e de comunicação, desde que previstos em Lei Complementar, deverão ser tributados pelos Municípios

Ressalte-se então mais uma função da Lei Complementar, além de definir regras para afastar eventuais conflitos de competência, definir as hipóteses de incidência de cada tributo, no campo do ISS assume a função de definir quais os serviços que, não sendo de comunicação e de transporte, possam ser tributados pelos Municípios. Atualmente esta Lei Complementar é a 116/03, a qual foi expressa em prever que os serviços de monitoramento de bens [por não serem serviços de comunicação, nem de transporte] são tributáveis pelos Municípios, ex vi, dos seus artigos 1º c/c item 11.02 da Lista de serviços anexa:

“Art. 1o O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal, tem como fato gerador a prestação de serviços constantes da lista anexa, ainda que esses não se constituam como atividade preponderante do prestador.

(…)
11.02 – Vigilância, segurança ou monitoramento de bens e pessoas”
Ora, não há e nem pode haver em nosso ordenamento jurídico dupla tributação sob o mesmo fato, in casu, prestar serviços de monitoramento de bens (veículos e cargas).
São ilustrativos os ensinamentos de Humberto Ávila: “Como a CF/88 instituiu uma República Federativa (artigo 1º), que pressupõe autonomia legislativa dos entes federados e uniformidade de autuação entre eles, a cada um é atribuído poder de tributar determinados fatos, cujos conceitos não podem “co-incidir” com aqueles conferidos a outro ente federado. Por isso, a cada fato previsto numa regra da CF/88 deve ser atribuído conceito diversos e mutuamente excludente dos conceitos previstos em outras regras de competência.[12]” ”

Doutro turno, a Lei Complementar nº 116/03 foi devidamente introduzida no ordenamento jurídico brasileiro, especificamente no sistema tributário nacional, portanto, norma válida e hábil a produzir efeitos jurídicos.

Assim, a Lei Complementar nº 116/03 se afigura como prescrição legal, que, cumprindo função constitucional acaba por prescrever um dever às prestadores de serviço de monitoramento/rastreamento, qual seja, de se submeter à Lei do Município no qual estiverem estabelecidas, o que, uma vez descumprido, ensejará indefensável autuação pelo fisco municipal.

As leis, em especial as Complementares, têm presunção de validade e, enquanto não extirpadas do ordenamento jurídico trazem consigo a característica da imperatividade que em última análise, revela-se como sua principal função, qual seja, a de imposição de um dever, de uma conduta obrigatória ao seu destinatário.

Por outro lado, o Estado de São Paulo e nenhum outro ente federativo tem competência constitucional para invalidar leis complementares ou provenientes de outros entres federados. A considerar-se prejudicado em face de algum dispositivo legal, in casu, da Lei Complementar nº 116/03, deverá utilizar-se dos meios processuais de que dispõe, perante o E. STF, para tentar expulsar tal normativo do ordenamento, ou ao menos, pleitear que ele não seja aplicável.

Não havendo declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos desta Lei Complementar nº 116/03 que regulam a incidência do ISS na prestação de serviços de monitoramento, tem-se que referida atividade deve ser tributada pelos Municípios e apenas pelos Municípios. Mais ainda, seus preceitos devem ser observados por seus contribuintes e seus efeitos respeitados por terceiros, notadamente o Estado de São Paulo.

A lei é considerada válida e eficaz, vinculando seus destinatários, até que, por qualquer meio previsto também por lei, seja expelida do sistema jurídico. No caso, nenhuma das formas de expulsão dos preceitos legais estatuídos na Lei Complementar nº 116/03 ocorreu. Tais dispositivos não foram revogados, não foram declarados inconstitucionais, com efeito erga omnes e tampouco declarados inconstitucionais com efeito inter pars.

Por isto mesmo é que tais preceitos e as consequências deles oriundas não podem, simplesmente, ser desconsiderados pelo Estado de São Paulo, apenas porque, a seu ver, lhe trazem resultados desinteressantes.

VII – Conclusão

Ao cabo de tudo isto, a cobrança do ICMS-comunicação não pode ser realizada segundo critérios de conveniência ou oportunidade, formulados pelos Estados, em especial o de São Paulo, contrariando todo o ordenamento jurídico vigente.

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[1] In Revista de Direito Tributário 15/200- Aires Barreto.

[1] Artigo 1º – O Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS incide sobre:
(…)
III- prestação onerosa de serviços de comunicação, por qualquer meio, inclusive a geração, a emissão, a recepção, a transmissão, a retransmissão, a repetição e a ampliação de comunicação de qualquer natureza;
[2] In, ICMS, Ed. Dialética, 8ª edição, pg. 147/150.
[3] Glossário de Termos de Telecomunicações, do Federal Standard 1037 C americano (tradução livre).
[4] In,“ICMS – Materialidade e Princípios Constitucionais”, Curso de Direito Tributário, 5º Edição, p.157.
[5] Aulete Digital – Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa.
[6] Aulete Digital – Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa.
[7] In, “ICMS, 8ª Edição, página 152.”
[8] EREsp 456650 / PR –  EMBARGOS DE DIVERGENCIA NO RECURSO ESPECIAL – 2003/0223462-0 – Ministro JOSÉ DELGADO (1105) –  Ministro FRANCIULLI NETTO (1117) – S1 – PRIMEIRA SEÇÃO 11/05/2005 – DJ 20.03.2006 p. 181
[9] In, “ICMS Teoria e Prática, 5º edição, página 129.”
[10] In, ISS na Constituição e na Lei, Ed. Dialética, pg. 67.
[11] Observe-se que o RICMS, como mero decreto que é foi alterado também por decreto para, em seu Anexo II se fazer incluir o artigo 47. Ocorre que a criação/majoração de tributos exige a edição de Lei, nos termos do princípio constitucional da legalidade tributária (CF, art. 150,I), sendo este vício mais um impeditivo para a pretensão fiscal. Em razão da obviedade desta assertiva e de não ser este o ponto central das considerações aqui despendidas, entendemos por bem apenas pontuá-la como mais um vício nesta empreitada do fisco paulista.
[12] In, “Revista Dialética de Direito Tributário n. 143, pg. 116”