Da Distribuição Desproporcional de Dividendos na Sociedade Anônima
Artigo da Dra. Tatianne Junco publicado nas revistas eletrônicas “Trinolex” no dia 13/04/2006, “Mundo Contábil” no dia 18/04/2006, “Jus Navigandi” no dia 06/05/2006, “Consultor Jurídico” no dia 09/05/06, e “Notícias Fiscais” no dia 10/05/06
I – Introdução
O presente estudo tem por escopo inicial a análise da distribuição de dividendos nas sociedades anônimas, onde serão abordados, em linhas gerais, as regras, as formas e os limites desta distribuição.
Em tópicos seguintes, será analisada a possibilidade de se proceder à distribuição desproporcional de dividendos entre os acionistas, tal como previsto para a sociedade empresária limitada, que permite que os sócios deliberem sobre a distribuição desproporcional do lucro da sociedade, independente do percentual no capital social de cada um.
Por fim, concluindo-se pela impossibilidade da simples deliberação de distribuição desproporcional de dividendos na sociedade anônima para acionista com a mesma participação societária, abordaremos alternativas para que os acionistas possam receber valores distintos a título de dividendos, obtendo-se ao menos, os efeitos da distribuição desproporcional.
II – Da Distribuição de Dividendos nas Sociedades Anônimas
Os dirigentes das sociedades anônimas não podem dispor livremente sobre o saldo positivo dos seus resultados. O lucro da sociedade anônima deverá ter dois destinos obrigatórios: (i) distribuição aos acionistas – dividendos; e (ii) reserva de lucros.
Conceituam-se como dividendos, objeto do presente estudo, os lucros distribuídos pela sociedade anônima aos seus acionistas. Ao dispor a respeito dos dividendos, a Lei nº 6.404/76 determinou que:
“Art. 202 Os acionistas têm o direito de receber como dividendos obrigatórios, em cada exercício, a parcela de lucro estabelecida no estatuto, ou, se este for omisso, a importância determinada de acordo com as seguintes normas:
I – metade do lucro líquido do exercício diminuído ou acrescido dos seguintes valores:
a) importância destinada à constituição da reserva legal (art. 193); e
b) importância destinada à formação da reserva para contingências (art. 195) e reversão da mesma reserva formada em exercícios anteriores;
II – o pagamento do dividendo determinado nos termos do inciso I poderá ser limitado ao montante do lucro líquido do exercício que estiver sido realizado, desde que a diferença seja registrada como reserva de lucros a realizar (art. 197);
III – os lucros registrados na reserva de lucros a realizar, quando realizados e se não estiverem sido absorvidos por prejuízos em exercício subseqüentes, deverão ser acrescidos ao primeiro dividendo declarado após a realização.
§1º O estatuto poderá estabelecer dividendo como porcentagem do lucro ou do capital social, ou fixar outros critérios para determiná-lo, desde que sejam regulados com precisão e minúcia e não sujeitam os acionistas ao arbítrio dos órgãos de administração ou da maioria.”
Dessa forma, nos termos do artigo 202 da LSA a companhia deve, em cada exercício, distribuir uma parcela do lucro a título de dividendo obrigatório, de acordo com o critério previsto no seu estatuto social, que poderá ser fixado com base numa porcentagem sobre o lucro, sobre o capital social ou sobre outros critérios, desde que não sujeitem os acionistas ao arbítrio dos órgãos de administração, ou da maioria dos acionistas.
No entanto, se o estatuto social for omisso a respeito da matéria, prevalecerá a regra geral de distribuição obrigatória do equivalente à metade do lucro líquido ajustado[1].
E mais, determina o artigo 202, §2º da LSA que nos casos de omissão do estatuto social, se houver interesse da companhia já existente em introduzir regras estatutárias sobre a distribuição de dividendos em percentual diverso do previsto na LSA, deverá ser respeitado o mínimo de 25% do lucro líquido ajustado nos termos do inciso I do referido artigo. In verbis:
“Art. 202 – omissis
(…)
§ 2º – Quando o estatuto for omisso e a assembléia geral deliberar alterá-lo para introduzir norma sobre a matéria, o dividendo não poderá ser inferior a 25% do lucro líquido ajustado nos termos do inciso I deste artigo.”
Após esta breve introdução sobre os valores mínimos a serem distribuídos aos acionista à título de dividendos, o presente estudo analisará possibilidade ou não de se proceder à distribuição desproporcional dos dividendos na Sociedade Anônima, cujas ações são, todas, ordinárias.
III – Distribuição Desproporcional de Dividendos na LSA
Inicialmente, cumpre esclarecer que diferentemente do que permite o Código Civil[2], possibilitando aos sócios da sociedade limitada a distribuição dos lucros de forma desproporcional, independente do percentual de cada um dos sócios no capital social, a regra geral na sociedade anônima é que as ações asseguram dividendos iguais aos acionistas possuidores da mesma classe de ação, ou seja, os dividendos estão plenamente vinculados às ações, como forma de remuneração ao capital investido.
A regra que cada ação da mesma natureza conferirá ao seu detentor igual proporção na distribuição do dividendo está estampada no artigo 109 da LSA.
“Art. 109. Nem o estatuto social nem a assembléia geral poderão privar os acionistas dos direitos de:
I – participar dos lucros sociais;
(…)
§1º As ações de cada classe conferirão iguais direitos aos seus titulares.
§2º Os meios, processos ou ações que a lei confere ao acionista para assegurar os seus direitos não podem ser elididos pelo estatuto ou pela assembléia geral.”
Do conteúdo deste artigo depreende-se o direito igualitário entre os acionistas que possuam ações de mesma classe, bem como o impedimento do estatuto ou assembléia geral dispor diversamente sobre a matéria.
Este também é o entendimento de Modesto Carvalhosa ao comentar o referido artigo, concluindo pela impossibilidade de o acionista dispor de parcela de dividendo desproporcional à sua participação na companhia, confira:
“Com efeito, não pode o acionista dispor e renunciar em abstrato e a priori os direitos essenciais declarados na lei. Pode, no entanto, deixar em determinados momentos, de concretamente exercê-los, como é o caso, v.g., do direito de preferência (art. 171).
O fato de não haver a exercitação da prerrogativa, no entanto, não implica renúncia ou disposição, nem pode ser entendido como um consentimento tácito à derrogação do direito, que permanecerá sempre intangível.
(…)
Os direitos de caráter passivo, como o de participar dos lucros sociais e do acervo da companhia, quando da sua liquidação, independem, para a sua concretização, da própria vontade do acionista. São, além de irrenunciáveis e indisponíveis, automaticamente atribuíveis ao acionista, não havendo como fugir ao seu exercício.
Visa a norma tutelar o interesse público. Qualquer deliberação em contrário é nula, seja a simples decisão da assembléia, seja a modificação estatutária. Também será nula a convenção de renúncia ou disposição. E mais, a ação de nulidade, em todas essas hipóteses, é imprescritível.”[3]
Pelo exposto, chega-se à conclusão da impossibilidade de se proceder à distribuição desproporcional de dividendos na sociedade anônima, face às disposições contidas na LSA.
Contudo, mesmo não sendo possível a deliberação da distribuição desproporcional do dividendo na sociedade anônima, é possível se atingir os mesmos efeitos, através da alternativa que passaremos a comentar no tópico seguinte do presente estudo.
IV – Da Alternativa para Distribuição de Dividendos aos acionistas em Valores Distintos.
Como visto, em regra, as ações da mesma classe asseguram dividendos em mesmos valores. Entretanto, há classes de ações que propiciam a distribuição de dividendos em valores superiores aos de outros tipos de ações.
Com efeito, as ações preferências conferem aos seus titulares, nos termos do artigo 17 da LSA, dividendos maiores, que poderão ser garantidos por um valor fixo ou mínimo.
“Art. 17. As preferências ou vantagens das ações preferenciais podem consistir:
I – em prioridade na distribuição de dividendo, fixo ou mínimo;
II – em prioridade no reembolso do capital, com prêmio ou sem ele; ou
III – na acumulação das preferências e vantagens de que tratam os incisos I e II.
(…)
§ 3o Os dividendos, ainda que fixos ou cumulativos, não poderão ser distribuídos em prejuízo do capital social, salvo quando, em caso de liquidação da companhia, essa vantagem tiver sido expressamente assegurada.
§ 4o Salvo disposição em contrário no estatuto, o dividendo prioritário não é cumulativo, a ação com dividendo fixo não participa dos lucros remanescentes e a ação com dividendo mínimo participa dos lucros distribuídos em igualdade de condições com as ordinárias, depois de a estas assegurado dividendo igual ao mínimo.
§ 5o Salvo no caso de ações com dividendo fixo, o estatuto não pode excluir ou restringir o direito das ações preferenciais de participar dos aumentos de capital decorrentes da capitalização de reservas ou lucros (art. 169).
§ 6o O estatuto pode conferir às ações preferenciais com prioridade na distribuição de dividendo cumulativo, o direito de recebê-lo, no exercício em que o lucro for insuficiente, à conta das reservas de capital de que trata o § 1o do art. 182.”
Pois bem. A regra geral é que a ação preferencial com dividendo fixo não participa dos lucros remanescentes e a ação com dividendo mínimo participa dos lucros distribuídos em igualdade de condições com as ações ordinárias, depois que estas forem asseguradas com o dividendo igual ao mínimo.
Entretanto, estas regras só prevalecem, caso o estatuto social não estabeleça de forma diversa. O cálculo dos dividendos preferenciais deverá estar previsto no estatuto social, sob pena de ser aplicada a regra geral.
Vejamos as modalidades de ações preferências e as suas características que poderão estar previstas no estatuto social da sociedade anônima, possibilitando a distribuição desproporcional de dividendos maior para um determinado acionista.
Para facilitar a explanação, dividiremos nossos comentários em relação às modalidades de ações preferenciais em tópicos distintos.
IV.I – Ações Preferenciais com Dividendo Fixo e Cumulativo
As principais características são: a) garantia de dividendo fixo (teto), podendo ser estipulado pela porcentagem do capital social, do lucro líquido do exercício e etc; b) não há participação dos lucros remanescentes; c) assegura a acumulação do percentual prioritário de um exercício para o outro, quando seu crédito não for integralmente satisfeito, e d) pode ser autorizado pelo estatuto o pagamento de dividendos prioritários, com o recurso de reservas de capital, nos termos do artigo 17, §6º da LSA.
IV.II – Ações Preferenciais com Dividendo Fixo e Não-Cumulativo.
Neste caso, a principal característica é a garantia de dividendo fixo (teto), podendo ser estipulado pela porcentagem do capital social, do lucro líquido do exercício e etc. Mas não concede direito a participação dos lucros remanescente e não assegura a acumulação do percentual prioritário de um exercício para o outro, quando seu crédito não for integralmente satisfeito
IV.III – Ações Preferenciais com Dividendo Mínimo e Cumulativo
Os detentores das ações preferenciais com dividendo mínimo e cumulativo devem receber distribuição de dividendos com valores distintos em razão dos seguintes direitos: a) garantia de dividendo mínimo (piso), podendo ser estipulado pela porcentagem do capital social, do lucro líquido do exercício e etc; b) participação dos lucros remanescente; c) assegura a acumulação do percentual prioritário de um exercício para o outro, quando seu crédito não for integralmente satisfeito e pode ser autorizado pelo estatuto social o pagamento de dividendos prioritários, com o recurso de reservas de capital, nos termos do artigo 17, §6º da LSA.
IV.IV – Ações Preferenciais com Dividendo Mínimo e Não-Cumulativo.
Já nos casos da ações preferenciais com dividendo mínimo e não-cumulativo, os valores de dividendos diversos dos possuidores de ações ordinárias são possíveis pelas seguinte característica: garantia de dividendo mínimo (piso), podendo ser estipulado pela porcentagem do capital social, do lucro líquido do exercício e etc; No entanto, não há participação dos lucros remanescentes e não assegura a acumulação do percentual prioritário de um exercício para o outro, quando seu crédito não for integralmente satisfeito.
Dessa forma, por todo o exposto, concluímos que para viabilizar a alternativa de dividendos maiores a um ou mais acionistas de sociedade anônima será necessário inserir previsão no estatuto social para conversão de parcelas de ações ordinárias em ações preferenciais, ou emissão de novas ações preferenciais, estabelecendo, assim, as vantagens no recebimento de dividendos que serão conferidas aos seus respectivos titulares.
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Notas:
(1) Lucro Líquido do exercício (-) parcela do lucro destinado à constituição de reserva legal (-) valor destinado à formação da reserva para contingências (+) reversão da reserva para contingências (-) valor transferido para reserva de lucro a realizar (+) reversão da reserva de lucro a realizar (=) Lucro Líquido Ajustado.
(2) Art. 1.007. Salvo estipulação em contrário, o sócio participa dos lucros e das perdas, na proporção das respectivas quotas, mas aquele, cuja contribuição consiste em serviços, somente participa dos lucros na proporção da média do valor das quotas
(3) Comentários à Lei de Sociedade Anônimas, 2º Volume, pp. 337/338